domingo, 28 de dezembro de 2008

Sobre cigarros, grilos, pingos e o vento frio.

Quando atiramos uma taça de cristal contra uma parede de concreto não queremos quebrar o frágil vidro, nós arremessamos o cálice na esperança de que ele derrube a parede e o teto que ela sustenta sobre nós.
Já não agüento mais essa entropia misteriosa. Sinto que os barulhos noturnos, os sons inaudíveis, combinam-se numa melodia sem compasso orquestrada suavemente para me ferir os ouvidos. Dissipados entre a fumaça dos cigarros; os grilos, os pingos e o vento frio perfuram a solidez dos tijolos, dos tímpanos e da minha pele. Quase dói, dá pra ouvir a dor se eu tapar os ouvidos.
Ah... Mas é tão bom olhar pela janela e enxergar em silhuetas gigantes e assustadoras uns três ou quatro bons amigos velando minha insônia. Eu lhes digo acalentando-os: “Não tenham medo, temos uns aos outros. Enquanto nos tivermos, o medo será pequeninho, o filho da puta precisa dividir-se pra dar conta de tanta gente.” Aí eu sorrio e trago. Enegrecendo meus pulmões e queimando minha face, eu justifico essa noite.
Eu vejo um pássaro vermelho voando com as asas sangrando. Bom, eu não vejo porra nenhuma, mas sei que é este o desenho na parede. Ele me olha de volta e me convida pra voar ao seu lado.

Tenho dó do passarinho, mas ele sente muito mais pena de mim. Ave escrota.
Há quem diga que a solidão é uma doença. Mas eu não posso estar doente, sou minha própria cura.
Levanto. Caio. Levanto. Tateio. On. Next. Next. Next. Volume. Danço.

*Caótico tal qual o mote que inventa
Tragado por delírios voluntários
Ele dança e canta, doce palhaço trôpego
Chora por muito rir, percebeu-se desesperado
Ovacionado e envaidecido por aplausos imaginados

Ritmado, pois, segue bailando ao passo da sombra
Mantém os olhos abertos mirando algo circunscrito
Nas faces que lhe ignoram
Pobres doentes sem remédio
Ele sente muito medo por não ser mais um enfermo

Mas ele cambaleia com seu sorriso tolo
Sua existência agora diluída
Em meio às ilusões instantâneas
Já nem sente os pés feridos, apenas o gosto de bílis
Enquanto ele roda, grita, gesticula, sonha, sangra e é feliz

Eles o apontam e dizem nos ouvidos:
“Os olhos do cavalheiro estão perdidos”
Porém ele não escuta mais ninguém
Além do próprio choro bobo
E das vozes em sua cabeça ecoando:
Tu és feliz, muito feliz

Tu és feliz, muito feliz
Muito feliz.


*canção sem métrica nem acordes de um pobre cantor sem banda.

sexta-feira, 26 de dezembro de 2008

Feliz Dia Novo.

Ok. Eu te explico, meu amabilíssimo blog.

As coisas não são nem tão simples, nem tão óbvias, tão pouco tão claras como nós fingimos que são. Eu olho pra cá e pra aí e vejo um espaço assustador feito de sei-lá-quê. Eu sei que tu dependes de mim, afinal, quem te faz funcionar sou eu (apesar de eu não saber ao certo para quê). Correr aqui, sem direção, apenas pra sentir a sensação de liberdade e ausência de sentido instantâneo, despreocupado com a minha sandice e com o quê eu possa parecer carregando-a com tanto orgulho (paciente fugido do hospício, talvez) é muito bom, mesmo. Mas, olha, diferente de ti, eu não sou um caminho que leva pra algum lugar. Por mais inóspito que seja o caminho, o lugar não depende da gente.

Eu não necessito, não preciso me contorcer em mil palavras pra perder ou ganhar uma lógica, por mais escrota que seja ela ou bela a sua ausência (o contrário, que seja, isso fala disso). Sabe, eu sou coerente pra mim, e isso me basta. Sou cru, fato.

Tu, tu és um mosaico multicolorido em tons de cinza. Tu és o meu tempo, cara...

Tu és o meu tempo e eu nem tinha percebido. Acredita? Claro que tu acreditas, eu não minto pra ti. É engraçado, por isso, escrevo. Tudo do que eu já fui, sou e, provavelmente, serei. Eu gravado em linhas brancas, sem margem, contra o fundo cinza escuro. Estás vestido de mim, meu camarada.

O lapso. O tempo. Tu. Escrever. Eu. Escrever... Vou te confessar: preguiça. É, rapaz: comodismo. Pode? O mais puro desleixo, bizarramente, justificado pela minha total inabilidade de priorizar o certo. É. Sou burro. De que adianta nosso autoconhecimento gigantesco se não consigo nos fazer bem? Não havia pensado nisso. Por isso, escrevo.

Tão solitário que é isso, meu amigo. Tão solitários que somos.

Que emane, e que façam incêndios com fagulhas que eu nem vejo, enquanto isso, queimamos sós. Porque eu tenho obrigação contigo, sou obrigado a ser nós.

Gosto do que somos, se não me exigisse tanto e não me privasse de tão mais... É, rapaz, olha, a gente se criou e não sabemos lidar um com outro. Ah, que foda, eu sou o viadinho do médico, o monstro és tu, cara... Que merda é essa? Eu estou perdido, mais perdido do que cego em cinema mudo. Por isso escrevo.

Sente, sente. Aliviar minha saudade e me sentir fluindo outra vez... Sou rio bravo sem rumo. Se não fosse por ti no início, as margens, eu já tinha me desfeito e evaporado. Olha, vê como eu estou sereno agora? Calmo, quieto. Eu até digo sem dizer e finjo me entender, porque eu aprendi a lidar conosco.

Isso tudo virou uma bosta tão grande, meu amigo. Eu me sinto tão feliz com isso tudo. Por isso escrevo.

Tenho música nos ouvidos, lágrimas nos olhos, dedos agindo por reflexo, peito latejando e um sorriso.

Obrigado, Eu. Por mim, a mim. A vocês.



'agradecido.

terça-feira, 9 de dezembro de 2008

Capítulo 1 - Parte 2 - Izabel

Numa cidade quente e úmida, como a minha cidade quente e úmida, andar a pé debaixo do sol escaldante de uma da tarde não é o programa mais divertido do mundo. Mas quando se vive (ou tenta viver) apenas com dois salários mínimos brasileiros (e, eventualmente, uns trocados) é expressamente recomendável que se economize. Caso contrário, é inviável comprar outras coisas além daquelas que suprem as necessidades básicas de todo ser humano. Um dinheiro a mais em troca de algo sem preço: isso inclui seis reais diários das passagens de ônibus em troca de duzentos mililitros do meu suor. Aliás, na minha cidade, andar de ônibus no calor infernal de uma hora da tarde também não é o programa mais divertido do mundo. De qualquer forma, acho um absurdo pagar um real e cinqüenta centavos para ganhar o direito de passar quatro minutos dentro de um latão com rodas. Ninguém deveria dar um real e cinqüenta centavos para se locomover num latão com rodas: as pessoas já gastam demais tentando viver, como eu.

Enfim, minha rotina de maratonista já tem uns meses, deveria estar acostumado. Andar seis paradas (uns dois kilômetros, mais ou menos) quatro vezes todos os dias. São cento e quarenta e quatro paradas por semana, quinhentos e setenta e seis paradas por mês, foram sete meses: isso dá umas quatro mil e trinta e duas paradas, uns mil trezentos e quarenta e quatro kilômetros já percorridos por este ilustre beduíno urbano que vos fala. Eu, realmente, deveria estar acostumado.

A rabugice, dessa vez, é justificável: hoje as condições climáticas parecem elevadas à enésima potência. O sol, bem acima de mim, arde lançando seus raios que transpassam meus cabelos claros e não rebatem de volta, radiação aprisionada assando minha cabeça-estufa. A umidade altíssima, anúncio da chuva pontual de logo mais, faz a sensação térmica entrar na casa dos quarenta graus (isso numa boa sombra). O ar revolveu parar de circular completamente: nenhuma em entre as milhares de folhas em nenhum dos milhares de galhos dá qualquer sinal de movimento. Eu tenho a leve impressão de que fileira infindável de mangueiras também está transpirando, todas ávidas pelo alívio que trará a tempestade de inverno (ou melhor: verão com chuva), ainda presa nas nuvens cinza do horizonte além dos edifícios enormes espalhados ao longo das ruas centrais. A quentura do ambiente permanece imóvel formando uma barreira, de espessura gigante e invisível, que espera sádica ser penetrada no meu próximo passo.

Merda. Estou tonto e encharcado de suor. Se não beber algo eu desmaio antes de passar a quinta parada, isso se eu conseguir chegar do outro lado da praça. Desmaiar não é uma boa idéia: iria ser constrangedor fritar no concreto até que alguém de bom coração venha me socorrer, muito provavelmente, por pura piedade.

Coca-cola deveria ser mais barata. Meu estômago já paga um preço bem alto sendo corroído. Ao menos quando eu desenvolver uma bela gastrite farei valer a pena o absurdo que pago num plano de saúde, quase inutilizado. É o preço que se paga para continuar existindo com um pouco menos de paranóia, já que os serviços gratuitos oferecidos pela saúde pública, como todos sabemos, não são lá dos mais confiáveis.

Felizmente, as praças daqui estão abarrotadas de oásis em forma de barraquinhas de ferro. Vendedores que espertamente se aproveitam do clima equatorial para oferecer conforto aos passantes sedentos por cocos gelados, refrigerantes, sucos industrializados, picolés, sacolés ou mesma a santa água mineral um pouco desprezada por mim pela falta de sabor, talvez. Por não usar meu paladar, e, apesar da sensação de frescor, ignorar meus sentidos.

- Ih, moça, melhor a senhora não beber mais não, hein...

Disse o senhor baixinho coçando o boné.

Perfiladas ao lado do banquinho de plástico, cinco latas de cerveja. Havia esquecido as, sempre muito rentáveis, cervejas. Aliás, eu, com certeza, nem iria reparar não fosse a consumidora.

Vejo o perfil. Ela senta-se desleixada, meio encolhida, ignorando a postura. Blaser cinza combinando com a saia que desce até os joelhos e deixa à mostra panturrilhas que, de tão brancas, rebatem luz. A franja negra e lisa, meio infantil, cai por cima da testa melada de suor escondendo as sobrancelhas. A bochecha, muito rosada, justifica a preocupação do comerciante. O nariz, fino e empinado, aponta para o rótulo da latinha fulminado pelos olhos negros e perdidos. A mão mais branca e delicada que já vi leva cerveja à boca de lábios finos e grandes, ela esboça um sorriso incompreensível. Tem um lindo corpo e está bêbada.

- Tô bem, tô bem.

Estou tonto, muito tonto.

- Uma coca-cola, amigo, por favor.

- Olha, moça, a senhora não vai nem se agüentar de pés quando se levantar. Tô lhe avisando.

- Amigo, uma coca-cola em lata, por favor.

- Essa moça tá mal, viu.

- Eu também tô mal, amigo. Pode me dar a coca-cola, por favor? Quanto é?

Olho para baixo atraído pelo som doce de um sorriso azedo. Ela sorri o maior e mais lindo sorriso do mundo. Tem a coragem e o atrevimento dos alcoolizados e me encara descaradamente tentando fitar meus olhos desconcertados. Estou tonto, muito tonto.

- Atende o rapaz, senhor.

- Não... Tá tudo bem.

- Acabaste de dizer que estás mal.

Porcaria de sorriso. Maldito pescoço. Bosta de lábios. Porra de queixo. Merda de olhos.

- Só tô um pouco tonto. O calor tá demais.

- Sério? Eu também tô um pouco tonta. O calor tá demais hoje... É verdade.

Dessa vez até o vendedor, que se divertia com a minha falta de jeito, rio alto com o cinismo trágico. Desistiu de tentar convencê-la a parar de beber e afastou-se um pouco. Não me deu a bendita coca-cola, porém, quem sabe, o gesto tenha sido de boa vontade: para me deixar mais confortável com moça de porre.

- Terça-feira, uma e meia da tarde. O que faz uma mulher bem vestida tomar um porre com cerveja num camelô?

- Ah, eu sou alcoólatra mesmo, sabe como é.

Preciso ainda de um tempo (não sei quanto) para me acostumar à beleza dela. Não é tarefa fácil olhá-la e pensar ao mesmo tempo.

- Não deveria procurar ajuda? Alcoolismo é doença.

- Quem te falou que eu quero ajuda?

- Aí tu morres.

- Agora me conta uma nova.

- Meu nome é Eduardo.

- Izabel, Eduardo. Prazer.

- Tu és pior que o calor, Izabel.

- Ih, rapaz. Pelo jeito tu estás mais bêbado que eu.

Nos enlaces involuntários em que Izabel, sem querer, me joga, eu perco a razão e o meu fluxo de idéias cessa e se transforma numa poça indefinível de pensamentos: eles agora me parecem remotos demais para serem meus. O calor se desfaz durante o intervalo em que meus olhos encontram as íris faiscantes rodeadas de vermelho. A tonteira e o cansaço são agora pano de fundo para os delírios instantâneos, projetados em mim pelo espaço de silêncio difuso deixado pelas palavras de Izabel. Já não sei mais se é presença ou uma simples alucinação.

Eu me transporto para a cevada e faço parte das gotas que te molham os lábios e lavam tua boca amarga. Sou o vazio sem graça do teu olhar inútil. Sou o teu impulso involuntário e constrangedor. Sou tua confusão consciente e enaltecida. Sou teu cheiro podre de cerveja. Sou teu ponto de desequilíbrio. Sou teu desprezo áspero. Sou teu desespero secreto. Sou tua parte escondida. Sou tua fuga da realidade... Tu és a embriaguez que eu havia perdido. Só fui dar conta da falta quando te encontrei.







*Deixa eu agradecer primeiro.
Muito, muito obrigado mesmo a quem comentou os dois pedaços anteriores. A opinião a respeito disso é muito importante. Eu tô tentando fazer algo que não é muito habitual pra mim. Escrever assim não é tão simples. Críticas (aliás, preciso de mais delas [sim, tá certo]) e elogios são indispensáveis agora. Eu preciso mesmo: pra continuar seguro.

Agora esclareço:
É óbvio e visível que não sou nenhum escritor profissional. Não escrevo por obrigação nem sob pressão. Escrevo quando quero e preciso. Não planejei nada, não consigo planejar o que escrever, mesmo tratando de um romance. De todo jeito, esse "livro", talvez, será (se um dia for) mais "experimental" do que eu havia pensado.
Não esperem eu postar regularmente essa história. Eu faria disso um trabalho, seria uma porcaria.
Não sou só o Eduardo, e mesmo ele tem vidas paralelas.
Até.

sexta-feira, 5 de dezembro de 2008

Capítulo 1 - Parte 1 - Izabel

Claro, claro. Sei das conseqüências horríveis que um porre me traz no dia seguinte: dor de cabeça fraca e aguda, indisposição angustiante, perda do raciocínio rápido, confusão, gosto de bílis, uma fraqueza latejando e amortecendo cada um dos meus músculos e o pior: amnésia. Felizmente, não sinto nada estranho na retaguarda.

Eu, geralmente, sei dos efeitos errados do que eu faço ou deixo de fazer. E se eu não sei, eu simplesmente finjo saber. Não ter domínio sobre o que acontece comigo, não gosto dessa idéia. Para mim, não ter o controle sobre a própria vida é fraqueza, covardia ou burrice (com ressalva aos casos especiais, por favor). Já fui fraco, covarde e burro, por isso afirmo com tanta segurança.

Quando a gente faz muitas vezes o mesmo, vemos as hipóteses se transformarem em causas lógicas. Acredito em exceções sim, mas não quando tratamos de pessoas. Pessoas não são regras: pessoas, por si, são conjecturas, e as conjecturas reúnem todas as exceções.

- Ainda estás bêbado.

Eu ainda estou bêbado. A glicose da coca-cola me trouxe de volta, o álcool se diluiu na amônia e escapou sujando o vaso sanitário, eu ainda estou porre. Vendo a luz entrar pela fresta da veneziana e fazer uma linha fina na parede manchada de vômito. Sentindo trinta pregos, eles foram espalhados estrategicamente por debaixo do colchão para me torturar da melhor maneira possível. O estômago, ferido, reclamando do seu vazio. Ah, se o estômago soubesse do resto, iria se sentir um escroto por reclamar. Tenho sabor de merda que sai da minha boca e se espalha pelo corpo.

- Ontem foi bom.

Ontem. Então foi ontem. Se fosse há três minutos faria mais sentido: continua na minha língua o sabor de suco gástrico, e não é o meu suco gástrico. Ela está abominável e minhas diversões estão cada vez mais sórdidas:

Observo em silêncio os cabelos negros desgrenhados: algum cabeleireiro, desses bem gays, diria que é um penteado pós-moderno muito bem feito, tamanha a beleza da desconstrução. Uns fios estão colados na pele alva: molhados, talvez, por uísque, conhaque, gim, cerveja, vinho, minha baba, meu suor e sabe o mais o quê tenha saído de mim. Os olhos estão fundos e abrigam íris que cintilam invadidas por uma felicidade curiosa, as olheiras dão um toque de criança mal tratada completado pelas as orbitas que me miram de um jeito quase inocente (como se pudessemos ser culpados por um crime que nunca foi cometido). A bochecha direita, única visível e ainda levemente rosada, desvia a visão para o fio de baba escorrendo dos lábios grandes e finos. O corpo estirado no chão realça as curvas: os seios cuspidos para fora do sutiã comprimidos com o chão, as costas brancas indicando o caminho para as nádegas empinadas brilhando na pouca luminosidade do quarto e conduzindo a vista para as pernas torneadas. Tem vômito também nas pernas torneadas. Ela tem a cabeça virada para mim e o sorriso deformado pela pressão do lado esquerdo do rosto contra a imundice do piso. Sorriso vazio que não quer expressar nada: tão natural quanto o torpor de um êxtase que existe só para ser sentido e permitir que apenas, de forma única e fatal, sintamos.

-Sabe, as pessoas vêem beleza na tristeza. Mas a tristeza é muito dramatizada, fica artificial. Tua decadência e podridão têm um realismo tão grande... Tu és linda.

terça-feira, 2 de dezembro de 2008

Prólogo - O Porre.

Prólogo.


Cores brilhando num doce delicado ( quase imperceptível pelas minhas pupilas dilatadas), sons suaves (evidentemente inaudíveis não fosse o resto), cheiro de vermelho (vermelho escuro, mangenta), o gosto de jasmim ardendo em minhas papilas gustativas e a visão embaçada graças ao... Bom, eram etílicos, e o último tinha sabor cru, algo de merda.


Não, isso não é, nem será, pseudo-poesia: a sinestesia é a melhor forma de (tentar) demonstrar o enlace e a desorganização da realidade, com os sentidos ferrados e misturados uns com os outros, parece tudo mais desencaixado do que já é... Sim, tudo apenas parece mais.


Gosto e sabor não são o mesmo: é bom esclarecer isso antes de entrar em pormenores mais aprofundados o que, muito provavelmente, me renderá dezenas de julgamentos equivocados que não farão justiça à minha complacente pessoa (se é que mais vinte pessoas lerão isso, claro). Não, não é culpa de ninguém: somos todos nutridos por um falso moralismo hipócrita, além é lógico, da mágica mediocridade que trancafia nossas amáveis mentes num mundinho escroto sustentado por conceitos, convenções e regras inventadas antes de nós para impedir que nós inventemos.
Sabe, tenha várias teorias, mas todas sem nenhuma base científica e quase nenhuma comprovação prática. Eu crio porque criar teorias é um jeito legal de pensar, além de servirem pra justificar, do meu modo, as porcarias que eu observo:
Teoria I - Se surgirem muitas invenções e inventores ao mesmo tempo, as coisas saem dos trilhos: o que mais há por aí são maquinistas vestidos com aquelas boinas ridículas que não sabem o que fazer, a não ser, guiar o trem (e arrastar um bom número de passageiros, todos, evidentemente, muito entediados) linearmente e imutavelmente até a última parada.
Para as pessoas mais esclarecidas (ou àquelas que, ao menos, sabem que não deveriam saber de porra nenhuma) se mesmo para essas eu parecer insensível e imoral, admito que me chamem de desumano (ou sádico, se preferem), mas, não aceito ser chamado de desonesto. Muitas coisas serão ditas, e é lógico que nem todas serão verdadeiras, porém, eu guardarei as mentiras e incertezas para vocês. Entre as relações humanas, a sinceridade exagerada e a honestidade a troco de nada são bem mais interessantes do que as farsas que, além de não me convencerem e terem prazo de validade, denunciam fraqueza e medo: tenho ambos, mas não vamos esquecer que eu estou porre.


Acontece que nós bebemos um pouco de um monte de destilados vagabundos (que, aliás, eu nem sabia que existiam) e agora eu estou num transe doido. Foram doses de quaisquer coisas (acho que algumas nem eram tão líquidas assim) que se misturaram na medida certa: ainda que eu não faça a mínima noção de onde está meu eixo de gravidade e mesmo com a vista um pouco embaçanda, ao invés de me tirarem a consciência, as substâncias desconhecidas ampliaram minha capacidade percepção a ponto de eu conseguir tatear e moldar o que eu tenho cultivado pela minha parca racionalidade (mentira. Tirando o teto sobre a minha cabeça, os trinta e quatro reais e sessenta centavos no bolso, o aluguel, as outras contas, o trabalho besta e a minha humilde capacidade de escrever, eu sou um porre igual àquele mendigo estirado na fachada do prédio, porém, mais bonitinho).
Ao menos nela o efeito foi bem menos meigo: gritou para o edifício inteiro ouvir e chorou feito criança mimada sua frustração devido à incapacidade de levar as relações com a amiga de trabalho a outro nível. Depois ela caiu languida no chão aveludado da sala e, antes de finalmente atingir os estados mais elevados do inconsciente, sujou com um vômito castanho claro o tapete de lã francês límpido que, com certeza, pagaria meio ano do meu aluguel.
Não a trago pra cama não por vingança, por pura revolta: eu não faço muito esforço pra compreender, embora a dificuldade absurda pra respeitar os dramas e tragédias emocionais de qualquer um (francamente, mais por distração e nostalgia que preocupação). Mas não tolero em hipótese alguma ser confundido e chamado de Carla, ainda que no meio duma embriaguez horrível e da confusão maluca de pés, braços e línguas (por mais amiga que a alcoólatra seja).
Agora começo a sentir algo parecido com pena, mas, infelizmente, sou um bêbado orgulhoso demais e sei que também ela não iria gostar de atitudes minhas movidas por um sentimento tão humilhante quanto à pena.


Bom, eu to visivelmente (e literalmente) alcoolizado, então, por favor, perdoem digressões sem muito sentido, a falta de conectivos entre as idéias ou a perda do rumo da narrativa (e isso não é justificativa pra minha falta de coesão e coerência textual: culpem o etanol, ele não pode se defender mesmo).

Preciso agora afundar o colchão Queen Mola Pocket Super Luxo Light Stress com o peso que nem sabia que eu tinha, me fundir ao cetim do lençol, derramar saliva misturada à emese no cobertor de seda lilás, e torcer para a Terra parar de rotacionar a esmo em todas as direções possíveis e improváveis.





haha. adoro escrever, cara.