quinta-feira, 21 de abril de 2011

Branca de Neve.

     

      Henrique abriu a caixa de entrada e surpreendeu-se com a quantidade de mensagens. Ele não costumava receber tantos e-mails e, por alto, viu mais de cinquenta. Quando percebeu que a maioria deles era de conhecidos, pressentiu que algo muito ruim havia acontecido. Depois de respirar fundo, clicou em uma das mensagens e anexado a ela estava uma foto. Seu coração acelerou, gotas de suor escorriam pela sua testa e seus pés começaram a tremer. Então Henrique teve o pensamento mais profundo, inteligente e lógico que poderia ter no pico de seu estresse emocional: “Fodeu tudo”.

      Ele tinha trinta anos, morava com os pais numa cidade do interior, era formado em computação e estava desempregado. Uma tragédia daquelas não era exatamente o que ele esperava para sua vida. Henrique ainda não tinha aprendido que é inútil esperar coisas específicas do futuro, mas depois entendeu que não se deve confiar no destino. As suas fotos, mais o vídeo que ele descobriu depois, circulavam em correntes de e-mails, viravam posts de blogs famosos, entraram no trendig topic do Twitter, serviam de inspiração para montagens bizarras e para uns e outros pervertidos secretos. Henrique, que era um cara acomodado e nunca sabia exatamente a hora certa de começar a se preocupar, estava desesperado.

      Semanas atrás ele havia transado com a Carlinha. Carlinha era uma moça conhecida na cidade de Henrique. Todos falavam que ela era garota de programa. Apesar de a informação ter sido apurada e confirmada, ela nunca foi divulgada abertamente por alguém com muita credibilidade. Havia pouco mais de cem mil pessoas ali, a maioria delas se conhecia de vista e era conveniente a discrição. Ninguém lúcido delataria Carlinha porque a maioria de seus clientes eram senhores casados e ela era conhecida por ser impulsiva e meio doida. Colocando em pratos limpos: comer o rabo dela deixava quem comia de rabo preso. Henrique comeu e não pagou. Não tinha dinheiro. Ela disse que ele iria se arrepender da canalhice, mas isso aconteceu só no início.

      Não sei o que Henrique tinha na cabeça nem as neuroses que o motivaram a ter um desejo daqueles e, sinceramente, não quero saber e tenho medo de descobrir. Fato é que ele transou com Carlinha vestido de Branca de Neve. Usou a fantasia completa que a irmã tinha comprado para o carnaval anterior: um saião amarelo com a blusinha azul, simulando um vestido, mais a peruca chanel com a travessa vermelha. Henrique estava com a barba por fazer, acima do peso e aquela roupa não lhe caia nada bem. Carlinha gargalhava e pediu para fazer fotos e é evidente que Henrique não teria deixado, teria inclusive atirado o celular pela janela, mas ele havia bebido muita vodka. Sua foto com o dedinho na boca, ereto, cruzando as pernas e com o vestido levantado foi uma das mais comentadas e o vídeo onde ele aparecia fazendo uma dancinha bizarra tornou-se o mais visto do Youtube por semanas. Henrique ganhou o mundo.

      Ele permaneceu dias trancado no quarto, chorando, não conseguia nem levantar a cabeça para falar com os pais. Sentia-se completamente humilhado e só conseguia pensar em suicídio. A cidade inteira ficou sabendo do episódio, mesmo quem nunca havia se conectado à internet assistiu o vídeo. Ele foi o assunto mais comentado por semanas. Seus pais permaneceram muito constrangidos e envergonhados mesmo meses após sua partida. Sem muitas opções e vendo-se perdido, Henrique aceitou um convite e foi para os Estados Unidos. Uma grande produtora de filmes pornôs percebeu na repercussão do caso a possibilidade de fazer uma excelente campanha de marketing e acharam improvável aquilo não dar certo.

      O filme de Henrique foi realmente um sucesso. Ele tornou-se um ator famoso e hoje mora em Los Angeles. Às vezes se sente um pouco deprimido, com saudades de casa, com pudor do corpo e com um pouco de pena das suas colegas de trabalho. Mas a internet já havia lhe tirado a dignidade e agora ele pode chorar enquanto toma champanhe numa Jacuzzi. Se pudesse voltar atrás, Henrique não voltaria. Passou a encarar o sucesso e a fama que a exposição desnecessária lhe deu como sorte. Evidente que transar bêbado foi um erro, mas acredito que nós somos resultados mais de nossos erros que dos acertos. Ao menos a intimidade pública de Henrique lhe rende, além de alguma vergonha, uma vida confortável ao invés de apenas entretenimento barato para os outros. No meio de tanta gente mendigando audiência e querendo se promover exibindo-se inutilmente, Henrique conseguiu garantir o dele sem muito esforço. Ele obteve, sem querer, o que desejam tantas pessoas sedentas por alguém para condenar apenas por diversão e pela oportunidade de tentar chamar atenção falando coisas estúpidas e ofensivas. Mais idiotas que um bêbado dançando vestido de Branca de Neve que só consegue insultar a si mesmo.

sábado, 16 de abril de 2011

Agradecimentos, blá blá blá e Smiths.

      A Luciana fez uma homenagem muito legal ao blog essa semana. Vocês podem ler aqui, se quiserem.

      Eu confesso que achei muito estranho o que ela escreveu e fiquei meio sem reação. Primeiro porque eu não me considero escritor e depois porque eu não acho justificativa pra tantos elogios, mesmo sendo sinceros como sei que são. Acho que escritor é alguém que se mantém financeiramente do que escreve (não?), que depende da escrita pra viver, e eu penso que não me enquadro nessa categoria. Eu escrevo por hobby, às vezes tédio, e certa arrogância por achar que eu tenho algo relevante a ser dito.

      Quando eu criei o blog, há três anos (estranho pensar nisso agora), eu não era muito como sou agora. Hoje eu tenho vinte e, convenhamos, dois anos na adolescência podem provocar muitas mudanças. Mais internas que externas. Foram os anos de crise. Eu era dramático, exagerado. Escrever era uma forma de exteriorizar sentimentos e sensações que não me dizem mais respeito. Não acho que eu tenho me tornado insensível, eu só... Amadureci. Experimentar a intensidade dos sentimentos tristes que eu criava me deu certa experiência de vida. Acho que eu fiquei um pouquinho sábio.

      E é justamente por estar equilibrado que eu não vejo mais sentido em muito do que eu escrevia. Coisas parecem desnecessárias e eu sinto até uma pequena vergonha lendo alguns textos. Eu escrevia por impulso, de uma só vez, quase involuntariamente. Agora desenvolvi certa técnica e até algum estilo. Nada demais. Dos textos que a Luciana destacou, eu gosto de todos. Eu gosto porque desvelam a solidão. E é isso que eu tento (prepotentemente) fazer agora: falar de coisas que as pessoas guardam pra si. Eu escrevia muito sobre (e com) paixão, isso aliena qualquer um.

      Eu, francamente, sem nenhuma falsa modéstia, não considero nenhum dos meus posts grandes peças literárias. Eu já li um monte de coisas e é inevitável fazer comparações. Eu sei que escrevo razoavelmente bem e, pra mim, é o suficiente pra dar forma às minha ideias e teorias. Não tenho grandes pretensões. Não espero me tornar um escritor. Não acho que eu vá ficar famoso muito menos ganhar dinheiro (o que eu realmente queria) com este blog. Mas é inevitável me sentir realizado e gratificado quando alguém vê valor nos meus humildes escritos e consegue tirar coisas boas deles. Se eu conseguir me aproximar de quem está lendo, então já vai ter valido a pena.

      Faz tempo que deixei de me importar muito com os comentários. Como eu disse, não tenho pretensões e se eu me sinto satisfeito com meus textos, então tudo bem. Não sei quantas pessoas, além da Luciana, leem e não comentam. Quero agradecer demais a ela pelo texto, a divulgação, os elogios e tudo mais. Vou aproveitar para dar meu obrigado a todos que dão atenção e acompanham o blog. Não acho que vocês estejam fazendo um favor ao me ler, mas é difícil se concentrar em algo com tantas coisas distrativas e eu agradeço a consideração.

      Pra ~discontrair~ :

 

quinta-feira, 7 de abril de 2011

Luiza.

      Luiza brincava de prender o fôlego enquanto os outros brincavam de falar besteira. Ela tagarelava há horas e, de repente, percebeu que estava muito cansada. Respirou fundo, não expirou o ar e contou até dez, depois até treze, dezessete até chegar a vinte e cinco. Ficou contente com os seus progressos. Três horas da manhã e o barzinho continuava lotado. A noite estava muito agradável e era divertido esperar para sorver o sereno só quando ele fosse vital: o oxigênio quase ganhava gosto. Inventar necessidades é uma boa tática para deixar as coisas mais intensas. Luiza gostava de observar pessoas, principalmente as do sexo masculino, e havia uma grande variedade delas ali. Ela sentia-se extremamente bem partilhando seu tempo com os amigos porque eles não se incomodavam com seu silêncio. Eles a divertiam sem esforço e eram especiais porque havia confiança mútua e uma compreensão recíproca no grupo.

      Na mesa, falavam sobre algum programa idiota de Tv. Luiza passou a prestar atenção na conversa e percebeu que ela não fazia o menor sentido porque as pessoas riam todas ao mesmo tempo e mal conseguiam falar. Luiza olhou para cara vermelha de Fabiana, reparou na crise de risos silenciosa assustadora de Marcus e nas lágrimas alegres de Bruno e logo estava gargalhando também. E quanto mais se olhavam e tentavam comentar algo, mais achavam graça. Passaram um minuto fazendo caretas enquanto procuravam articular palavras. Fabiana conseguiu recuperar o equilíbrio e disse que já nem se lembrava do por que de estarem rindo. Luiza, num rompante de meiguice, falou que as risadas vinham da felicidade sincera que todos sentiam. Depois de um silêncio estranho, Bruno disse que aquilo tinha sido muito bonito, Marcus concordou, Fabiana sugeriu um abraço grupal e Luiza, sorrindo e se levantando, sugeriu a todos que tomassem no cu enquanto ela ia fazer xixi.

      No caminho para o banheiro, Luiza chamou a atenção de alguns caras, mas eles não se atreveram a chegar numa mulher armada com um sorriso daqueles. Um destes rapazes, porém, mais audacioso e otimista que os outros, a seguiu. Para ele, ela tinha namorado. Não que ele levasse a sério a teoria da improbabilidade que contestava a solteirice de moças tão bonitas: apenas achou que Luiza tinha cara de quem estava amando e sendo correspondida. Ele a esperou sair do toalete encostado à parede, pensando no que dizer. Sua autoestima não ficaria muito abalada se levasse um fora de uma desconhecida, mas se sentiria péssimo se não tentasse nada com uma mulher tão radiante sem ter bons motivos para isso. Lá dentro, Luiza mijava enquanto cantarolava um sambinha do Cartola. Limpou-se, lavou as mãos e mandou um beijo para seu reflexo no espelho antes de sair. O moço ainda não tinha decidido o que dizer e, quando viu Luiza sair do banheiro, seu instinto o impulsionou a aborda-la de qualquer jeito.

_ Oi! Disse ele.

_ Oi. Disse Luiza.

(...) Nada disseram os dois.

_ Bom, se tu não vai falar nada, eu vou voltar pra minha mesa, tá?

_ Tu é linda pra caralho. Luiza gargalhou de novo.

_ Como assim, cara? Que bosta de cantada é essa?

_ Ué... Não é uma cantada propriamente dita, eu só tô constatando tua beleza.

_ Ah, tá bom, e tu tá constatando a minha beleza sem esperar nada em troca?

_ Eeer...

_ Huuuum?

_ Qual teu nome?

_ Luiza.

_ Bonito... Tem uma música do Tom Jobim muita linda com teu nome.

_ Sim! É linda pra caralho, né?

_ É...

_ Olha, tu quer transar?

_ Hã? Como assim?

_ Se tu disser que sim, eu posso até te explicar.

_ Mas... Assim?

_ Te achei muito bonito, tu parece ser legal, é meio bobo, engraçado, gosta de Tom Jobim...

_ Tá falando sério?

_ Tô. Transar é bom, né?

_ Acho que sim.

_ Então tá bom. Vou ficar mais meia hora com meus amigos daí a gente vai.

      Ela aproveitou aquela noite bem mais que o pobrezinho, assim como a seguinte e a depois daquela. Cortaram relações porque, inocentemente, ele apaixonou-se. Mas a felicidade de Luiza a distraia do que poderia lhe tirar dos eixos e essa história de paixão, naquele momento, soava complicada demais para ela. Sua vida parecia seguir prática e leve e, na verdade, prossegue assim até agora. A sério mesmo, só umas poucas coisas e apenas algumas pessoas. Não que Luiza seja uma tapada, longe disso, mas ninguém pode culpa-la por ter conseguindo o que a satisfaça. Ela não quer muito além de manter o que já conseguiu. Luiza é rica, mas não esbanja grana. É feliz, mas poucas vezes deixa isso explícito e só quem a conhece percebe. Às vezes fica triste ou mal humorada, no entanto, considera um privilégio poder sentir-se mal em paz, livre de censuras. E ela é tão fascinante que se tu não prestar atenção vê somente como ela é bonita. Luiza se orgulha de ter se tornado alguém que diz respeito a pouca gente.

 

Faltou isso. :)

domingo, 3 de abril de 2011

Besteirinha.

 

_ Sabe a festa que teve sábado? Olha a foto no Facebook dele... O cara tá se orgulhando porque ele tava caindo de porre... Puta que o pariu...

_ Rita, tu não pode levar as coisas tão a sério...

_ Eu não levo, porra!

_ Claro que leva! Vive reclamando! Relaxa...

_ Eu reclamo porque as coisas são absurdas demais pra eu ficar calada!

_ Tá vendo?

_ Vendo o quê!?

_ Tu fica te incomodando com bobagens...

_ Desculpa, mas eu não acho bobagem ver alguém se orgulhar de seu estado lamentável.

_ Os defeitos são teus?

_ Não, caralho, mas eles são públicos e isso me dá o direito de falar deles.

_ Tu precisa ser mais tolerante...

_ E tu precisa tomar no cu.

_ Tô tentando te ajudar!

_ Me ajudar como!? Tu me dá um conselho idiota do nada e...

_ É porque tu leva as coisas a sério demais!

_ Só porque eu percebo a idiotice da pessoa e me dou o trabalho de comentar não quer dizer que eu levo isso a sério!

_ Tu julga a pessoa como idiota por besteira!

_ Expor seu estado deplorável, sem necessidade nenhuma, pra quem quiser ver é besteirinha? Beleza…

_ Até parece que tomar um porre é algum pecado...

_ Pecado não é, mas fazer questão de que os outros tomem ciência disso é, no mínimo, babaquice. O cara acha bonito ser feio.

_ Qual o problema, menina!?

_ O problema é que a embriaguez deixa as pessoas lesas e o cara tá fazendo questão de expor o quão leso ele estava! Isso é leseira!

_ Eu não vou mais discutir isso...

_ Tá bom... Vâmo acabar o assunto... Ei, esse outro porre com ele aqui nessa foto é tu… Caralho! HAHAHA!