segunda-feira, 27 de agosto de 2012

Nice trip.

 

      Observo a janela imóvel e, por trás dela, o terreno se move como um caleidoscópio variando suavemente entre esquerda-direita. Talvez seja a janela que esteja oscilando, deslizando sobre a parede, não tenho certeza. A paisagem é vazia, plana, coberta de por um campo infindável de centeio. Ou quem sabe seja trigo. Provavelmente cevada. Não faz diferença. Penso em quantas coisas não fazem, realmente, diferença e, de repente, nossas vidas parecem detalhes. Imagino que se tudo acabasse, seria como se nada houvesse começado. Deixaríamos como vestígios pilhas de concreto e aço, montes de papel, moradas inúteis que revelariam sua podridão sem que ninguém pudesse mais censurá-la. Agora chove lá fora. Sei que montes de pessoas estão juntos, aquecidos, agrupados para se esquecer do frio e para rir de coisas que não me divertem. Fecho a janela, deslizo a cortina, deito no chão e peço ao teto para que caia sobre mim enquanto eu durmo.

segunda-feira, 20 de agosto de 2012

Tatu-bola.

 

Cessa a tarde com o bule apitando no fogão. O céu está saturado num dégradé azul-laranja. Aqui embaixo, nós existimos à parte, somos estranhos no ninho, comida regurgitada, falhas na Matrix. O silêncio quase me ensurdece. Tá tudo tão quieto que, de tão silenciosas, as coisas nem parecem existir de verdade. Às vezes, acho que se eu pressionar forte, posso te liquefazer numa poça de Cheirinho de Bebê. Acho engraçado tu ter cheiro de passado. Tua carne é tenra como um travesseiro velho. Sei que os átomos nem se chocam, que os elétrons faíscam, mas minhas mãos estão cheias de ti. O chá de erva-doce está pronto, mas eu odeio chás. Eu bebo porque tu gostas. Eu escrevo porque tu ris. Só anoitece pra fazer frio no nosso deserto de enjoos, paredes descascadas e formigas assassinas. Acho que amanhã não chega pra sempre.