terça-feira, 24 de dezembro de 2013


       Há a falta e, com a falta, o excesso. Me sobram excessos, feridas abertas, carnes rasgadas. O drama não se justifica, não é autoexplicativo, não é embasado por nada trágico. Mesmo assim, queria me prostrar no chão que pisas, beijar teus pés, pra, mais uma vez, pedir perdão e confessar que tô com saudade. Porque meu chão é movediço, arenoso, frágil. Me equilibro pra não cair, não tropeçar em minhas próprias pernas, não desapontar mais ninguém. Vacilo agora por incompetência e angustia. Não vou esquecer que, um dia, eu enrolei minhas pernas nas tuas pra dormir tranquilo. Eu quis acreditar em mim, mas eu sou fraco, mesquinho e autodestrutivo. Não sou nobre ou digno. A culpa me persegue por ter oferecido tão pouco em troca de tanto. Aqui, só há teu rosto na tela fria e a vontade de construir uma máquina do tempo com pedaços de alumínio reciclado e um relógio de criança. Mas viagens ao passado são ilusões e eu não posso mais me perder no presente. Não há como fugir da dor. Não há nada a fazer e, de certa forma, não ligo porque ainda não descobri, exatamente, o que deveria fazer. Eu só sinto muito, muita coisa. Aprendo aos poucos, devagar, a andar e a crescer. 

domingo, 22 de dezembro de 2013

Pão e Circo.

Com minha cabeça na guilhotina, eu rio do carrasco. Trêmulo, ele segura a corda que ativará as engrenagens da máquina. Finge ressentimento e culpa antecipada pelo que fará. Só o carrasco sabe das minhas intenções. O público aguarda impaciente a decapitação, famintos pela desgraça. Ansiosos, os corações, mesmo com a certeza do que sucederá, batem acelerados, nervosos. Mesmo prevendo o óbvio, a ideia de um homem perdendo a cabeça lhes embrulha o estômago, apaziguando sua fome. Mas eu também rio da cara do público, carente de diversão, amenizando suas tristezas com espetáculos fúnebres. Não tenho medo do que as pessoas farão. Eu sinto pena por elas precisarem me ver morrer pra sorrir. No entanto, o público sabe que não morrerei aqui, preso e humilhado. É a ideia da morte que os fascina. Surpreendentemente, no auge da expectativa, zunindo, a lâmina corta o ar e atinge certeira meu pescoço. Sangro pouco. Aprendi a não me machucar. Minha cabeça rola pelo chão enquanto o carrasco tira meu corpo da máquina.


O público murmurando palavras, impressionado e com medo, admira meu crânio sorridente virado pra o céu. Consigo ouvir frases soltas: “Que horrível”; “Fecha o olho”; “Deus tenha piedade”. Coisas assim. Como essa é a parte mais cansativa do meu show, levanto imediatamente meu corpo jogado na coxia e vou correndo buscar a cabeça. Há um grande assombro, algumas pessoas vomitam, outras desmaiam, uns poucos se cagam de medo. Eles não sabem que, certa vez, perdi a cabeça e precisei colá-la com Super Bonder. Desde então, ainda que pareça que a perdi, aprendi a olhá-la para além de mim. As luzes começam a piscar no alto do picadeiro e meus olhos doem. Pego a cabeça entre as mãos e, como se eu fosse um boneco de Lego, religo o crânio com a coluna com um só movimento. Não há mais sangue ou vísceras, tudo está intacto e inteiro. Faço uma reverência e, inebriada, a plateia amortecida aplaude de pé sem desconfiar de como fiz o que fiz. Amanhã tem mais. 

sábado, 7 de dezembro de 2013

Unicórnios saltitantes.

Um bom texto começa pelo título. Ele precisa ser arrojado e esbanjar sobriedade. Afinal, as palavras, quando escritas e divulgadas, tornam-se um registro público capaz de ser replicado indiscriminadamente. É preciso ter cuidado com a Internet porque associar sua imagem pública a material autoral meia-boca pode, até mesmo, lhe custar um emprego. Daí a necessidade de avaliar e reavaliar se é, realmente, preciso publicar o que se escreve. Se o texto for pra gaveta ou pra uma pasta aleatória no computador, por mais tosco que ele seja, permanecerá inofensivo. Quando as palavras não vêm a público, seus efeitos são anulados pela razoabilidade do autor sensato. Sensatez é um pré-requisito pra se escrever. É fundamental atentar, além do conteúdo, pra a métrica e forma. A literatura não merece ser desrespeitada com brincadeiras levianas e inúteis. Um bom texto, pra ser útil, necessita causar impactos relevantes e insights produtivos em quem os lê. Os ingredientes pra um bom texto incluem: um título original, clareza e concisão, ideias dispostas de forma racional e compreensível, ambiente propício e cabeça sã a fim de dar vazão às ideias de forma ponderada. Nota: música fossa e fome não combinam com um bom texto. Corações machucados não geram bons textos. E lembrem-se: o exercício é a alma do negócio. É preciso escrever muito, todos os dias, pois a prática leva à perfeição. Modéstia à parte, este texto ficou perfeito e merece servir de base pra outros igualmente interessantes, válidos e incisivos. Porque um bom texto necessita de palavras pouco usuais. Não é pedantismo, é apenas para aproveitar todo o preciosismo da língua. Fim.