terça-feira, 19 de maio de 2009

À Fuga De Nada.

Vestiu uma jaqueta jeans surrada, calçou as chinelas, e desceu do sétimo andar apenas de camisola. Estava insone, entediada, cansada. Ela saiu porque a solidão estava atipicamente lhe sufocando. A noite era grande suficiente para velar as duas. Rua deserta, úmida, absorta num silêncio perturbador, numa meia-luz estranha, tinha também um frio áspero. As luzes dos postes, esparsamente dispostos, brilhavam com dificuldade. Ela achou tudo muito estranho, melancólico. O céu escondido por nuvens laranja prestes a chorar. Vultos de casarões antigos escoltavam a moça caminhando pelo meio da rua estreita.

Eram tão lentos os passos, a expressão tão natural e as horas tão altas. Se alguém a tivesse visto, juraria que era uma sonâmbula, ou uma bêbada, uma louca, um fantasma. Uma morta morando numa daquelas casas antigas, esquecidas por todos, lembradas só pelo tempo. A madrugada cuidava de embelezar o cenário, onírico. E eram tantas memórias, tanto tempo, tão vazio e tão só. Lindo. O perfume do sereno inebriando a garota sozinha que desfilava numa passarela de asfalto para prédios velhos. Era tão linda. Uma beleza tão extraordinária e surreal que se nada de incomum acontecesse não seria verdade.

Quando ele surgiu, corpo coberto por um sobretudo negro, era translúcido. Ela não se assustou. Como se fosse natural, como se esperasse, a moça parou e sorriu. O mundo era de dois corpos dentro da madrugada, no meio de uma rua deserta. Ficaram os dois se encarando, tentando identificar, se reconhecer, se matar. Ele sério, diáfano. Ela quase feliz, luzindo. Eu consigo escutar aquele silêncio agora. Tinha no ar aquela vibração que antecede algo grande, como o pressentimento que vem antes do acidente. E as gotinhas começaram a cair, finas, geladas. Ela inclinou o pescoço para trás e abriu a boca. Ele queria morrer por julgar não merecer tanta beleza, depois achou graça do que queria.

Barulho:

- Não gosto dessa tensão.

- Por quê?

- Não sei. Parece que vou sempre morrer no próximo segundo.

- Me sinto sozinha.

- Eu te conheço. Como tu te conheces. Não estás sozinha.

- Como pode?

- Sou tu.

- Eu te criei.

- Eu não existo.

- Eu te amo.

- Porque te convém.

- Não te conheço, amor.

Foi porque era o mais certo, no mínimo, o mais lógico. Ele sumiu. Ela voltou, chorou, dormiu e sonhou que era triste. Talvez não justifique uma queda assim, tão visivelmente forçada. Mas, agora, não encontro motivos mais válidos, nem mais convincentes. O absurdo motiva-se por si. E, no engano, nada houve. Nada há.


eu não sei.

8 comentários:

Camila disse...

nossa, tu voltaste a escrever, ou pelo menos a postar. que ótimo

Anônimo disse...

Paidégua.

Jaya Magalhães disse...

Paidégua. Hhauhauauauhauha. [Adorei].

Tiago,

Que texto! Que textooooooo! O diálogo, do depois. Aquela coisa que só se pode sentir. A explicação que nada diz. O sentimento que nada toca. Ganhando corpo. Pesando. Evaporando.

Eu não sei não gostar daqui, quando você resolve escrever assim. E penso no quanto fazia falta te ler. Bom que voltou. Muito bom, mesmo!

Até.

M. disse...

Vc já leu algumas coisas que eu escrevi e ainda lembro da profundidade das nossas primeiras conversas por scrap... então posso dizer que caí em prantos depois do seu texto.

Por dizer muito sobre as minhas e escolhas [ou seriam não escolhas?].

Muito bom te ler de novo.

Um beijo!

. disse...

Eu acho que alguma coisa aconteceu por aqui e por acolá.
Ou não :)

Gi disse...

cê é meio melancólico, né? desbaratina! :-)

Gi disse...

Só de vez enquando...

Gi disse...

isso é síndrome de quem lê muito Caio, já passei por isso!
Tô certa?