segunda-feira, 31 de agosto de 2009

Facínoras Bocetas.


       Era um período mais ou menos assim: “me senti um merda por desejar comer aquela boceta vermelha”. Eu li e ri. Pensei: “caralho, deve ser legal uma boceta vermelha”. Passei os olhos pela frase de novo, li em voz alta, é uma frase forte. Não só por causa dos palavrões: se sentir um merda por causa de um desejo tão sincero por uma boceta (e vermelha!) é torturante. Ia nisso quando ouvi batidas no vidro bem à minha frente. Falei alto demais. Bati os olhos nos olhos dela, que eram bem mais fortes que os meus. Assustado, esperei uns segundos algo que não aconteceu. Depois baixei a cabeça, porque sou um frouxo. Óbvio que não consegui voltar a ler, eu fingia que lia enquanto repetia mentalmente: “me senti um merda por desejar comer aquela boceta vermelha”.
       Outra batida na janela. Pensei alto demais. Aquela coisa fitava meus olhos e eu não sabia o que fazer. Eu só queria saber o que ela queria, lhe daria e continuaria minha leitura, nervoso e assombrado pelo acontecido. Mas ela ficava lá, estática, com uma cara de cu que não me dizia nada. Eu dei de ombros e fiz uma careta ridícula que perguntava: “Oi?”. Então, ela tirou uma caneta do bolso, escreveu rapidamente algo em sua mão e depois a pressionou contra o vidro. Estava escrito: “Tu é louco?”. É claro que eu sou! Tenho muita vergonha de parecer o que sou assim, tão descaradamente. Eu fiquei admirando as palavras em letra de forma, sem saber o que dizer ou fazer. A mão dela era muito branca, bonita.
       Coloquei minha mão contra o vidro também, na direção da mão dela. Era uma coisa muito estúpida, mas meu coração batia forte, eu suava frio e meus pés tremiam. Na falta de qualquer resposta, achei melhor tapar a pergunta. Talvez ela não pensasse que eu sou louco se eu fingisse ser poético. Cara, como meu coração gritava de medo... Bocetas vermelhas colocam a gente em cada uma. Meu corpo inteiro queria se dissolver, o vidro umedecia com meu suor. Eu, apavorado, desafiava aqueles olhos carnívoros. Aí ela tirou sua mão, virou-a para si e depois me mostrou. Não havia mais pergunta nela. Não pude conter o riso de satisfação. Daí, finalmente, ela sorriu, sorriu um sorriso lindo.
      Eu quis muito comer a boceta dela. Sei que não era vermelha porque seus cabelos eram castanhos, mas eu queria assim mesmo. Aposto que era uma boceta bonita. Mas aí ela foi embora. Como pode alguém te descobrir, desafiar, te sorrir, e depois te deixar com a vontade escrota por uma boceta? E nem era uma boceta vermelha, mas eu ainda assim me senti um merda. Tive a impressão de que umas lágrimas nasciam, e além de um merda, eu me senti um idiota. Voltei para o livro, me recriminando, mas não consegui avançar. Li: “me senti um merda por desejar comer aquela boceta vermelha”. A minha vista embaçou e as letras viraram borrões. Achei que eu iria apagar o livro também. Um fio de esperança me fez levantar a cabeça para tentar achá-la atrás do vidro, talvez me observando encantada. Lá, apenas o vidro límpido, o suor injustificável e o contorno da minha mão magra.


Preciso descobrir se ela é realmente louca ou se eu vou me desiludir. (:

6 comentários:

Jessica Mota disse...

Égua, curti muito esse texto.

Clareana Arôxa disse...

você ilumina os dias por aqui.
tua essência é linda.

um beijo!

Bruna Uliana. disse...

Seus textos melhoram espantosamente a cada dia que passa.

. disse...

(Não tem 'coisas de Laurinha'?) Cooooooisas de Tchágo!

Ivan Ryuji disse...

Já conhecias a mina? Ou foi coisa de momento?
Enfim, confesso que ri haeaheahe
E que texto era esse que você tava lendo?
xD
Abraços

Bia disse...

Ela perguntou se tu eras louco e tu disseste "Nao! Tu es a Louca!" hahahahahaha