sábado, 20 de agosto de 2011

Relógio de pulso hipnotizador.

      Quando Vinícius me contou que estava amando Cristina eu gargalhei da cara dele. Ele ficou me olhando puto e acho que, se eu não tivesse parado a tempo, teria levado um murro na cara. Foi uma reação muito natural e incontrolável, sabia que ele estava falando sério, mas não pude evitar. Não ri pra avacalhar nem em desrespeito ao que ele dizia sentir: eu ri porque achei aquilo absurdo demais. Tão incoerente que eu não consegui acreditar. Os defensores do amor romântico podem argumentar dizendo que o amor é incompreensível, que nasce mesmo nas situações mais improváveis e que eu não deveria ser tão cético. Mas eu digo que amores são coisas pessoais demais e pra cada um deles há razões que os sustentam. Eu conheço o Vinícius melhor que ele mesmo e conheci Cristina o suficiente pra saber que não tinha nada ali. Conversei com ela duas ou três vezes, não sei ao certo, só sei que depois da primeira as outras foram por obrigação pessoal.

      Apesar de bem bonita e de ser muito agradável olhá-la, Cristina era totalmente idiota. A idiotice dela era tão grande que nem pra ser engraçada servia. Ela era mais tapada que uma caixinha de café embalada a vácuo. E chata. Nós não conseguimos conversar sobre nada porque o único assunto que a interessava e que, aparentemente, ela dominava era ela mesma! Falava de suas viagens, falava de seus projetos, de suas amigas e falava com o entusiasmo de quem acredita que todos os ouvintes estavam realmente interessados em ouvir o que ela tinha a dizer. O pior é quando ela resolvia contar piadas que provocavam tristeza de tão ruins e nos obrigavam a nos olhar totalmente desconcertados e sem saber o que fazer. Até Vinícius se sentia constrangido. Se nós vimos Cristina de novo, foi só porque ele achou errado os amigos não terem contato com a namorada. Errado era ter uma namorada daquelas.

      Eles se conheceram numa noite infeliz em que decidimos ir a uma boate pra ver como é. Na verdade, quem decidiu foi o Diego, nós fomos porque não conseguimos fazê-lo mudar de ideia. Ficamos vinte minutos lá dentro e mais uns trinta segundos Vinícius estaria salvo. Íamos saindo quando Cristina se aproximou e falou qualquer coisa no ouvido dele que o fez querer ficar lá. No outro dia Vinícius apareceu dizendo que tinha achado a mulher de sua vida. Falou brincando, mas eu imediatamente soube que ia dar merda. Começaram a namorar uma semana depois daquele dia e aguentaram mais três meses. O problema é que Vinícius não era mais o Vinícius. Ele se tornou um cara inseguro, vivia em função dos ciúmes idiotas de Cristina, fazia todas as suas vontades, quase parou de falar conosco, começou a nos evitar e passou a gastar todo o tempo livre com ela e seus amigos.

      Um dia resolvemos dar uma prensa em Vinícius, fomos eu, Diego e Marcelo até sua casa sem avisá-lo. Ele estava péssimo e realmente precisava desabafar. Contou que não conseguia parar de pensar em Cristina: que sentia necessidade dela em todos os momentos do seu dia; que não aguentava ficar longe; que sentia o seu cheiro por todos os cantos; que aguardava com uma ansiedade incontrolável o dia nascer pra revê-la; que tinha insônias terríveis por causa disso; que tinha vontade de morrer em seus braços; que começou a escrever poesias; que queria ter cinco filhos com ela e mais um monte de coisas horríveis desse nível que não lembro agora, mas que reforçaram a ânsia de vômito que senti. Foi aí que ele disse que a amava e que eu ri. Marcelo me olhou feio e eu imediatamente fechei a boca. Ficamos uns dez segundos calados, sem saber o que dizer, e o Vinícius com cara de criança chorona esperando algo. Então Diego lavou nossas almas quando traduziu em uma pergunta simples tudo que queríamos saber:

_ Por quê?

_ Por quê o quê? Perguntou Vinícius.

_ Por que tu ama ela?

_ É! Por que tu ama ela? Perguntamos eu e Marcelo quase ao mesmo tempo.

_ Eu já disse! Eu não consigo ficar longe dela, eu penso nela o tempo todo, fico ansioso quando...

_ Não! Interrompeu Diego. O que a gente quer saber é por que tu não consegue ficar longe dela, por que tu não para de pensar nela, por que tu fica ansioso etc.

_ A gente quer saber o porquê de tu amar ela. Explicou Marcelo.

_ Eu sei lá! Eu simplesmente amo, ora! Falou Vinícius.

_ Negativo! Ninguém “simplesmente ama”. Disse Diego.

_ Sim! O que tu admira nela, por exemplo? Perguntei pra ajuda-lo, mas também porque estava realmente curioso pra saber se aquela mulher tinha alguma qualidade.

_ Bom... Eu admiro... o... o... sorriso dela... o... a determinação dela... e... e... e... sabe, ela é uma mulher muito forte. Vinícius respondeu hesitante, gaguejando, fazendo um esforço sincero pra lembrar o que gostava nela. E não foi nem um pouco sincero.

      Ficamos olhando pra ele penalizados. Nós três sabíamos o que dizer. No fundo, Vinícius também sabia, só preferia ignorar aquilo na esperança de ser um cara mais “nobre”. Como se renegar sua natureza fosse sinal de moralidade e não de desonestidade. Se ele não fosse tão covarde e encarasse aquele negócio com a importância que merecia, não teria ficado tão mal. Não estou dizendo que era algo irrelevante: se fosse, não teria deixado Vinícius daquele jeito. Além do mais, por trás de muitas coisas há essa vontade franca e inegável que muitos preferem simplesmente ignorar. O que eu quero dizer é que ele estava interpretando tudo errado e confundindo as coisas, acho que foi isso que o levou a virar um idiota. Acredito que quando nós reconhecemos os motivos que nos levam ao sofrimento, ele se torna compreensível e pode ser superado. Psicólogos ganham dinheiro assim, parece. Enfim, depois de um tempo o silêncio ficou insustentável. Como nem um dos dois parecia nada confortável pra dizer o que precisava ser dito e eu já estava ficando impaciente, respirei fundo e disse:

_ Vinícius, tu só quer comer ela loucamente. Sei que não foi uma boa maneira de colocar as cartas na mesa, mas pra mim aquilo era óbvio demais e fiquei chateado porque meu amigo nunca teve surtos de estupidez antes. Acho que era a convivência.

_ O quê!? Porra! Claro que não! Ele negou, como eu esperava.

_ Sério, Vinícius, a gente perguntou o que tu admira nela e tu mal conseguiu falar três coisas! Falei indignado.

_ Tu nem mencionou coisas como caráter, inteligência, senso de humor, bom gosto, compreensão, honestidade, companheirismo, sensibilidade... Completou Marcelo, mais paciente que eu.

_ Ela é carinhosa... Choramingou Vinícius.

_ Pelo amor de deus, até um cachorro é carinhoso contigo se tu der comida pra ele! Me arrependo agora de ter dito isso dessa forma.

_ Vinícius, fala de novo pra gente o quê tu mais gosta na Cristina, mas dessa vez vale atributos físicos. Diego insistiu pra que ele assumisse e eu achando aquilo tudo besta, besta, besta.

_ Tá bom... Eu acho ela linda e o sexo com ela é maravilhoso. Satisfeitos? Ele contou isso bem mais aliviado e eu entendi que tudo ia fica bem.

_ As três qualidades de Cristina: cara, peito e bunda. Falei sorrindo pra quebrar aquele clima de velório desnecessário e fiquei satisfeito quando todos riram.

_ Porra, cara, como é que tu vai te apaixonar por uma mulher daquelas? Perguntou Marcelo sorrindo.

_ Ah, só transando com ela pra saber! Respondeu Vinícius com um sorriso largo.

_ Ela fica calada depois pelo menos? Perguntei de novo mais interessado em saber como ele a aguentava por tantas horas consecutivas do que pra realmente confortá-lo.

_ Ela fica sim! Eu nem presto muita atenção no que ela fala, pra falar a verdade, a beleza dela me hipnotiza. Ele já estava muito melhor e isso deixou todos à vontade.

_ Nem se ela soubesse balançar um relógio de pulso hipnotizador com o mamilo!

      O Marcelo filosofou rindo e deixou todos nós chocados com aquilo. Olhamos pra ele o reeprendendo pelo mal gosto e pela falta de bom senso. E eu já ia começar um discurso sobre isso quando não nos aguentamos mais e começamos a gargalhar satisfeitos acrescentando detalhes à cena, felizes por aquele negócio tosco ter se resolvido sem a necessidade de castração.