sábado, 31 de março de 2012

100g.

      Fátima dizia que Valdir não lhe dava mais atenção, que ele havia mudado, que a traição confessa não redimia nada, que sua mãe era uma puta, que seu orifício anal merecia ser penetrado... Enfim, essas coisas que as pessoas falam quando não sabem o que dizer, mas querem gritar alguma coisa. A maioria de nós age assim, aliás, mesmo que nem precisemos gritar pra dizer o que não devemos. Valdir havia traído Fátima com Silvana há duas semanas. Se traição quer dizer: consumação de qualquer interação carnal íntima entre um individuo comprometido e um terceiro, então ele havia sido fidelíssimo até ali.

      Valdir realmente não queria trair Fátima, mas seu desejo por ela havia cessado há três anos e ele sentia saudades de sexo. Além do mais, eles pouco conversavam, pouco dividiam os mesmos espaços e pouco se interessavam um pelo outro. Estavam juntos porque achavam que era o jeito. A vida nem sempre é do jeito que a gente quer e dá preguiça e medo tentar mudar. Assim as coisas iam seguindo, toleráveis, mornas, matando os dois por dentro. Poucas pessoas sabem, mas a maioria de nós, na hora da morte, já tá podre faz tempo.

      Fátima já havia gritado até as cordas vocais se distenderem. Chorou tanto que secou suas glândulas lacrimais. Valdir assistia a cena quieto, paciente, contemplado cinco anos de casamento se concluindo da forma mais ridícula possível. Ela tentou agredi-lo, atirou um vaso na parede, ameaçou se matar. Ele tentou explicar que aquilo só formalizava algo que já havia acabado e que continuar juntos por convenção era ridículo. Fátima não quis nem ouvir e o expulsou de casa. Valdir pediu apenas para usar o banheiro antes de sair. Ele deixou roupas, documentos, o notebook, sua pasta, seu respeito e cem gramas de merda e mágoa entupindo a privada.

Um comentário:

Metamorfose Ambulante disse...

Deixou suas coisas mias íntimas ..