Começa com uma página em branco e
um cursor piscando. É mais ou menos assim. Quase sempre. Aos poucos,
adicionamos letras, sílabas e palavras pra preencher espaços depois de espaços.
Inventamos sons imaginários. Temos a necessidade básica de deturpar o silêncio
e nos impor sobre o vazio. O nada incomoda. Devemos preenchê-lo com nós. Eu me
viciei, particularmente, em fabricar máquinas verbais microscópicas capazes de viajar
com sinapses e intuir pensamentos. Eu
trafego pelos vãos da memória recente e substituo informação por sensação. Não
é um trabalho fácil e exige certa técnica. Alguns excessos ficam pra trás,
pedaços de mim que são reciclados e viram adubo orgânico. Não me importo de me
perder um pouco por uma causa nobre. A linguagem foi violentada por sentidos
óbvios. Está traumatizada. É preciso curá-la. É necessário dar forma à
incompreensão e divagar, principalmente, sobre coisa alguma.
O niilismo é subvalorizado e não
há critérios pra justificar tamanho descaso. O mundo está cheio de certezas vãs
que pré-fabricam pontos de vista e despersonalizam ideias originais. Só a
dúvida é redenção. Só através das improbabilidades alcançaremos percepções
relevantes. O medo cega. O medo é nocivo e deve ser expurgado. É o mesmo medo
que sentimos diante da página em branco. É o medo do que nós não sabemos: o
mais primitivo e perigoso já nos imposto pela natureza. Brincando com as
palavras, descobri que não saber não é necessariamente ruim. Abraçando o
mistério, adquirimos uma liberdade irreprimível que não cabe sob as amarras de verdades
incontestáveis. Este é o verdadeiro poder das palavras: confrontar crenças
inabaláveis e oferecer visões novas capazes de alterar a relação com a existência.
Só as palavras salvam. Repito como mantra pra não esquecer a responsabilidade e
a dádiva que carrego. Eu sou um fazedor de mundos.
“Só uso a palavra para compor meus silêncios.”
Manoel de Barros
Um comentário:
Há uma restauração em todos os sentidos. Há uma virgula no meio da língua, há palavras desenhadas na terra do quintal da minha avó. Há um ponto no silêncio disso tudo. Há um vago entre o pensamento e a linha.
Postar um comentário