sábado, 14 de maio de 2011

Reencontros.

     

      Não se veem desde o tempo da universidade. Da última vez que conversaram suas vidas não estavam bem definidas. Ainda havia planos irrealizáveis, projetos absurdos, esperanças inocentes, ideais que foram postos de lado quando tomaram de vez as rédeas de seus destinos. Assumir a responsabilidade de se sustentar leva embora coisas que não se adequam à vida prática. Depois de oito anos, qualquer reencontro vira uma experiência imprevisível. As duas pessoas estão mudadas, sim, e ambas sabem disso. Antes tão próximos, agora veem um ao outro como um daqueles semiconhecidos inconvenientes que aparecem nas horas mais inoportunas e insistem em conversar. Uma de minhas teorias favoritas é a da “contradição prática dos semiconhecidos” cujo postulado diz: se tu conheces alguém que não conhece direito, o desinteresse, mútuo ou não, em aprofundar a relação não justifica a criação de qualquer proximidade, com exceção aos casos especiais que incluem: prestação de serviços; simpatia forçada para manter o equilíbrio dentro de determinado grupo social e interesses de ordem profissional onde a puxação-de-saco, velada ou não, é prática socialmente reconhecida.

      “Como vai tua vida?”, “o que tem feito?”, “onde estás trabalhando?”, “casou?”, “tu ainda fala com o Daniel?”, “não acredito que eles ainda tão juntos!”. Sorriem simpáticos enquanto fingem ignorar a inutilidade daquelas respostas e disfarçam o desinteresse em saber detalhes a respeito de quem não faz mais parte de suas vidas. Já passaram por todos os clichês e perguntas prontas. A superficialidade e a breguice da conversa beira o ridículo e não é do feitio de nenhum dos dois levar este tipo de coisa adiante. Ou não era. Chegaram ao ponto em que os silêncios se prologam mais do que deveriam. Ele sua frio e está muito desconfortável. Ela acha que já falaram besteira o suficiente e pensa em um jeito de levar a conversa ao fim. Então ele, atrapalhado pelo nervosismo, julga que aquilo não pode piorar e respirando fundo faz uma manobra arriscada que ao mesmo tempo põe um fim no diálogo imbecil e cria a possibilidade de um embaraço ainda maior:

_ Só falei contigo porque eu achei que não falar contigo seria mais estranho que falar contigo.

_ O quê?

_ Só falei contigo porque eu...

_ Eu entendi!

_ Ufa, que alívio.

_ Eu acho que tu tomaste a decisão errada, hein.

_ Sim, acho que qualquer coisa seria menos estranha que isso.

_ A gente já pode ir embora?

_ Agora que tá tudo esclarecido, acho que sim.

_ Tu continuas estranho. Bom saber.

_ Pois é, mas eu mantenho isso em segredo.

_ Hahah. E tu ainda confias em mim depois de tanto tempo?

_ Na verdade não.

_ Ué, mas e o teu segredo?

_ Eu tenho um teu também, achei justo.

_ Hum? E qual seria meu segredo?

_ Tu gostaria de dar pra o Antônio Fagundes.

_ HAHAHAH!

      E eles riem enquanto se lembram dos motivos de terem sido tão próximos. Ele continua divertido, com a mesma intolerância caricata que combina bem com o senso de humor bizarro dela. Ela ainda possui o mesmo refino de antes para criar explicações absurdas: esclareceu o afastamento deles como sendo obra da “preguiça vinda do acúmulo de obrigações e da falta de contato diário agravado por comodismo por ambos com o passar dos meses”. Aos poucos redescobrem o que deixaram pelo caminho, o que tiveram de abdicar, as opções que suas escolhas anularam. Sentem saudade de quando não tinham muito rumo e achavam que as coisas se ajeitariam sozinhas. Recordam seus desejos que há tempos foram ignorados e debocham da ingenuidade que perderam. Trocam contatos, despedem-se felizes e combinam de se rever logo.

      Em suas casas, repassam mentalmente as falas com sorrisos bobos pensando em como fazia falta ter conversas imprevisíveis como aquela. Ele queria falar mais sobre o caderno escondido em que ela havia criado teses a respeito do comportamento que assumia dependendo do ambiente que estava. Ela ainda sentia vontade de criticar, inutilmente, a vaidade e o egocentrismo que contaminavam a todos e o modo como ele tentava manter-se imune a isto. Em meio à nostalgia e comparando preocupados, percebem como eles próprios envelheceram progressivamente previsíveis e desinteressantes por pura falta de prática. Os anos lhes deram, além da estabilidade, uma preguiça aguda de agir de maneira oposta a mais conveniente. Ele era um estranho que se escondeu no armário e ela uma filósofa amadora que pendurou as chuteiras. Tornaram-se quase semiconhecidos de si mesmos.

Um comentário:

Repórter de Sandálias disse...

Os teus textos me fazem perceber que não é preciso um assunto extraordinário pra criar um conto... o dia a dia, aquilo q acontece com tdo mundo, a natualidade, enfim, o sentimentos mais sinceros, se tonram um conjunto mto agradável de ser lido... :)