sábado, 25 de fevereiro de 2012

Tchau, vô.

     Meu avô nasceu no sertão, no meio do nada, numa casa distante do mundo. Morreu muito longe da sua terra, perto do mundo, embalado pelo som de centenas de orações que pediam pra ele ficar. Deixou um patrimônio que pagaria uns trinta enterros, mas queria mesmo era ser enterrado dentro de uma rede, como o pai. Foi velado na igreja que ajudou a construir cercado de dezenas de gentes, de todas as idades. Ele não escreveu best-sellers, nem clássicos, não atuou na novela das oito, não marcou mil gols, não compôs grandes sucessos nem dirigiu vencedores do Oscar. A morte dele não passou na TV, não comoveu o país, não foi assunto no dia seguinte, nem virou trending topic do Twitter.

      Tudo que meu avô fez de importante foi erguer e manter sua família, visitar doentes, doar dinheiro, ajudar casais e atuar ativamente na comunidade da sua paróquia. Ele achava que fazer essas coisas era bom, mas não às divulgava. Viveu satisfeito e eu acho até que foi bem feliz, até um pouco depois de ficar muito doente. Gostava de ter por perto a família e de vê-la rindo, por isso, se esforçava pra fazer piadas, ainda que  a maioria nem fosse engraçada. E ele sempre ria das próprias piadas e nós acabávamos achando graça também porque o riso dele era engraçado.

      No enterro do meu avô, as pessoas se despediram cantando e agradecendo pela presença dele em suas vidas. Teve também discursos, piadas, pedidos, consolos, tchaus e um monte de lágrimas. Foi uma das manifestações humanas mais bonitas que eu já vi e tive a honra de participar, mas eu sou suspeito demais pra dizer isso e parecer confiável. Ele pediu muito pra ninguém ficar triste e até que nós tentamos. Havia pra lá de oitenta pessoas, nos olhos da maioria delas dava pra ver a admiração pelo meu vô. E a morte ali, materializada em saudade, em dor, em choros, pondo fim a sofrimentos do corpo, encerrando uma vida tão cheia de pequenas grandes coisas, até que era bonita.

      Vou ter sempre inveja do meu avô. Inveja da sua perseverança, da sua alegria, da sua humildade, da sua solidariedade e, principalmente, do seu amor. Meus avós ficaram juntos por mais de cinquenta anos. Se implicavam, discutiam, brincavam e tinham carinhos como se ainda fossem namorados. Era o melhor amigo da minha avó e ela discursou dizendo: “Ele foi mais que um marido pra mim, foi um pai. Um exemplo. Eu casei com dezessete anos e ele brincava dizendo que terminou de me criar. Foi meu único e grande amor por cinquenta anos e eu hei de amá-lo até o fim dos meus dias. Passei noites em claro sofrendo do lado dele e passaria infinitas noites, se Deus permitisse”. Minha vó tem sido muito forte e eu não fico com tanta saudade porque tem muito do meu avô nela.

      Aliás, minha vó falou uma das coisas mais lindas que já ouvi/li: quando meu vô tava muito doente no hospital, ela costumava pedir pra que nós fizéssemos uma roda de oração quando íamos visita-lo. Numa dessas vezes, ele tava dormindo e não participou. Aí acordou dizendo: “Vocês já rezaram? Eu tava dormindo.”. Daí minha vó disse: “Não tem problema, eu já rezei. A gente não é uma alma só? Então, a reza que vale pra mim vale pra ti também”.

      Lembro que na última viagem em família que fizemos, em dezembro, eu ficava contente quando meu vô sentia vontade de fazer xixi e eu tinha que ajuda-lo com a cadeira de rodas até o banheiro. Também fiquei satisfeito por ter vigiado o corpo dele por exigência maluca do hospital (medo dele resolver fugir, acho) enquanto resolviam as coisas com a funerária. Eu poderia fazer essa bobagem por décadas (o negócio do xixi, não o lance de guardar o corpo, isso seria bizarro) e, mesmo assim, não conseguiria retribuir tudo que ele fez por mim. Eu tenho poucos motivos pra me orgulhar, carregar o nome dos meus dois avôs é um deles.

      Foi bom enquanto durou e, sinceramente, acho que durou o suficiente. O problema é que o suficiente nunca parece ser o bastante. Nós sempre queremos mais do que precisamos. Temos que aprender mais com pessoas como o seu Tiago. Queria ter força, humildade, afeto, resignação e bondade pra viver metade das coisas que ele viveu e ser um quinto do que ele foi. Meu avô foi um cara muito legal.

 

dd Seu Tiago e dona Aldeiza.

 

Mais aqui. Semana que vem eu conto mais um pouco da história dos meus avós. :)

3 comentários:

Anônimo disse...

A sensibilidade do teu texto transportou-me para dentro da tua história. E ainda que eu não tenha participado, é como se me fosse extremamente familiar.

Acredito muito mais nas histórias "opacas", nas quais as pessoas são hérois anônimos, que dentro do seu universo, não precisam provar nada a alguém. E assim, são mais livres. Isso é admirável...

Lindo texto/post.

Abraços.

TIAGO JULIO MARTINS disse...

Que bom que consegui fazer tu sentir pelo menos um pouquinho do que eu senti.

Eu gosto muito de descobrir pessoas anônimas, mostrar o que elas têm de especial, pouca gente faz isso. Meu avô era um cara admirável mesmo.

Muito obrigado pelo teu comentário. :)

Anônimo disse...

Filho,
Seu avô será sempre o modelo para nossas vidas.
Admirável texto.
Um grande beijo
Goretti