segunda-feira, 19 de julho de 2010

Essenciais e, redundantemente, importantíssimas constações no quarto escuro de uma casa vazia.

 

      Eu inventei uma alegria estranha. Ela mora na minha cabeça, entre as minhas sinapses, e faz meu cérebro jorrar gotas de endorfina que molham meu coração, meus olhos e meu sorriso. É estranho isso de estar feliz, sozinho em casa, num quarto escuro, ouvindo o Mark Kozolek (clique, recomendo) e conversando comigo mesmo. Acho que é mais estranho porque eu tô sorrindo pra ninguém (né, mãe?). Mas, ó, isso não faz muita diferença porque ninguém sabe mesmo os motivos que me fazem sorrir. Além de mim. Vou contar o que tem em mim pra eu estar feliz pra isso fazer mais sentido e pra eu, se der sorte, presentear alguém com um sorriso feliz. Ah! Todos os sorrisos são felizes, até os tristes.

     Há pessoas dormindo por todos os lados. Elas provavelmente estão sonhando, mas, como a maioria provavelmente vai esquecer de tudo, isso não faz a menor diferença. Essa noite eu escolhi não falar com nenhum dos meus amigos e ver um filme sobre a vida. Na verdade é sobre a morte, mas sem ela não existiria vida, né? Daí depois eu assisti ao primeiro trabalho do Tim Burton (clique aqui e assista,  é um curta bonito :). É sobre um menininho que gosta de Allan Poe e prefere viver uma fantasia perturbadora e melancólica do que brincar no quintal. Então, eu descobri uma coisa linda: eu escolho ser feliz ou não. Tudo que eu preciso eu tenho dentro de mim. E não preciso me preocupar com coisas catastróficas para pessoas como eu (que gostam de Tim Burton, de filmes que fazem pensar e de falar muito sobre a vida) como a solidão: que deve ser a mais grave delas e também deve explicar o Vicent. Eu tenho pessoas especiais realmente interessadas no que eu sou de verdade (vice-versa), gente que conhece minha essência e que me compreende (ou se esforça muito pra isso, pelo menos).

      Penso. Tem uma descoberta nova em cada lasca na parede descascada. Eu vejo beleza em olhares perdidos na rua e em velhos admirando o tempo passar. Me divirto fazendo sombras disformes contra o teto. O pôr-do-sol coberto por prédios, colorindo o céu de laranja e fazendo o sol virar caleidoscópio é tão lindo. Há um menino de uns três anos, mais ou menos, e ele sempre tá na pracinha, procurando coisas na grama, descobrindo o mundo. Tem as luzes através das janelas de ônibus com David Bowie entupindos os ouvidos e a sensação de que o ônibus tá viajando em outro espaço ou tempo, numa galáxia onde não se precisa compreender nada e tudo é som e movimento, e isso é tão bom. E tem a chuva na janela, às vezes, encolhendo o mundo e te aproximando de ti, cobrindo tudo com mais mistério ainda. E tem um moço que fica vendendo jornais pelos ônibus e ele sempre faz isso sorrindo e fazendo piadas com as noticiais enquanto brinca com os passageiros, e esse cara me dá tanta esperança. Tem também os meninos que dão cambalhotas e se jogam no canal cheio de água poluída quando chove demais, e eles são felizes sujos e pegando doenças. E tem também as senhoras na igreja, de olhos fechados, rezando pra Deus, que vai me perdoar por eu duvidar da existência dele porque eu acho encantadoras as pessoas em transe pela fé, ainda que nem seja em Deus, seja só no tempo. E tem a música e a dança e o canto, e a sensação mágica e indescritível de não pertencer a lugar nenhum só porque tu estás fazendo algo que não é natural ou normal. Tem um filhote vira-lata abandonado, chorando por comida no meio da rua e as lágrimas felizes, dos dois,  por passar a mão na cabeça dele e ver ele te seguindo depois. Tem meus pais e o resto da minha família que me amam incondicionalmente, ainda que eu dê muito menos do que eles peçam e quase nunca faça algo que eles compreendam e justifique esse amor que nem eu entendo, mas admiro e sinto. Tem a minha irmã que eu nunca vi triste e sempre me faz rir, ainda que eu não queira rir. Tem meu cachorro velho, cegueta, surdo e estrupiado que balança o rabo quando me vê e faz eu falar com um animal irracional, fazendo eu esquecer do fato de que eu não sinto nem vontade de falar com certas pessoas... ah, mas eu sei que meu cachorro é mais sensível e me entende mais que muitas delas. E tem a poesia, as palavras, o cinema, o teatro, a fotografia, a pintura e tem as pessoas únicas e interessantes que eu ainda não conheci e tem o Rio, minha paixão, com as montanhas no meio de tudo, as gentes bonitas, o frio da noite e uma infinidade de coisas pra eu explorar. E tem Paris, que eu só conheço por filmes e fotos, mas pela qual vou me apaixonar e trair o Rio... E tem Veneza, tem Barcelona, tem Nova York, tem Amsterdã, São Paulo, San Thiago, Tóquio, Sidney, Rio Branco, Belém... E tem tanto pra eu ver e eu vejo tão bonito. E eu sinto tudo, tanto, toda hora, tem tanta vida represada em mim que eu ressuscitaria um cemitério inteiro. E agora eu consigo compreender que, quando fico triste demais, e só excesso de vida. Se eu fico chato e cabisbaixo, às vezes, é por pura preguiça e comodismo. É só porque eu não me ajudo a extravasar: rir no telefone, ver um pipoqueiro dando comida pros pombos que eu odeio, escrever bilhetes pra desconhecidos, contar uma piada sem graça, ajudar um amigo, reclamar da brutalidade de algumas pessoas, compor uma música triste ou feliz, cantar pra parede, escrever pra ninguém, sorrir no escuro. Decidi que vou me ajudar com afinco: porque é mais importante artistas viverem com arte do que da arte, porque ela tá em cada pedaço de tudo se tu souberes apreciar, e nem é muito importante todo mundo ver e te pagar e parabenizar porque tu consegues fazer isso. E a vida é estranha, maravilhosa e linda demais pra eu ficar me lamuriando e não tentar descobrir os mistérios por trás da beleza de tanta coisa... Vou pelo menos contemplá-los e ser feliz sem entender nada, mas sentido tudo.

2 comentários:

Andressa C. disse...

"E agora eu consigo compreender que, quando fico triste demais, e só excesso de vida."

Ah, menino!
Parece que desistimos de ser tristes ao mesmo tempo! rs

Lindo texto, pra variar.

Beijos!

Jússia Carvalho disse...

Enquanto eu estava que nem a Clarice disse: "Para falar a verdade, nunca estive tão bem. Por quê? Não quero saber por quê." tu conseguiste dizer o motivo de toda a minha felicidade.

Eu continuo adorando tuas letras. Tua prosa.