sexta-feira, 9 de julho de 2010

Lembrete.

     

“Vida louca vida
Vida imensa
Ninguém vai nos perdoar
Nosso crime não compensa”

Cazuza.

 

       É preciso temer mil vezes mais, um milhão de vezes mais, uma vida insossa que a morte. O fim é inevitável, caminho certo. A vida é labirinto, passagem secreta, caixinha de surpresas. A morte, por mais inesperada que seja, não passa de uma constatação. É só um freio. É necessário andar muito e rápido demais pra  parar fazer algum sentido. A morte de uma existência inexpressiva e vazia é tão insignificante quanto o sofrimento e  a tristeza de quarenta pessoas. Esse sofrimento é amortecido e as pessoas têm mania de se acostumarem à tristeza ou à apatia: com alguns momentos alegres, com muito pouco. A vida não pode ser um sopro: precisa ser um furacão, um tornado, uma explosão. A vida deve ser contagiante, ela deve ferir, envenenar, entupir de vida quantas existências forem possíveis. Minha vida não cabe em mim. Viver precisa ser um exagero.

      Não é a morte: a vida precisa ser feita de sofrimentos, decepções, angustias, frustrações, crises de choro. Apenas sendo feridos por ela descobrimos seus segredos ignorados, suas nuances, seus pequenos sabores, o prazer que podemos tirar da sua fragilidade e das sutilezas felizes que ela esconde embaixo dos nossos olhos gastos de tanto ver merda. Só quando nos vemos na companhia de  nossos próprios demônios aprendemos a chegar aonde as pessoas se escondem e a ver o quanto elas são mais do que aparentam. Apenas sozinhos podemos contemplar despreocupados a estranha beleza que há nos detalhes de tudo. Temos que olhar pra dentro pra limpar os olhos. É preciso espremer o coração até tirar tudo que é falso, deixá-lo forte pra que as coisas verdadeiras o encham com seus sabores fortes e gostosos. Viver é cometer o pecado da gula.

     Mas é necessário força e coragem. É preciso desafiar lógicas, padrões, certezas, pessoas. Arriscar o pescoço e a esperança. Inventar impulsos quando nada mais te motiva. Acreditar em improbabilidades mesmo sem crer em nada. Voar sem asas pra depois cair quebrando as pernas. O que importa, no entanto, são as tentativas de felicidade no presente, não as apostas pra o futuro. Esperar é adiar a vida. E o futuro te fode na próxima esquina: tu entras na rua errada e não dá mais tempo de voltar. Eu tenho pressa, o único tempo que me interessa é agora. E assim vai ser agora e depois. Não me contento com nada menos do que eu quero. E não tenho medo de querer. Quero transbordar minha vida até morrer. E quero viver o suficiente pra transbordar até lá. Viver é uma questão de força e coragem.

4 comentários:

Andressa C. disse...

"A dor é inevitável, sofrer é opcional."

As pessoas tem a tendência de acostumar à mediocridade. Digo por expêriencia própria.
Sou de cidade pequena e lá, somos criadas apenas com o propósito de não crescer totalmente ignorantes, ganhar um pouco de dinheiro e ser sustentada por homens o resto da vida. E não deveria ser assim.

Ser grande, fazer algo notável, eu já escrevi em algum lugar que apenas existir é como estar morto sobre os dois pés.

Bom, como sempre, muito bom =]

Beijo, menino!

Anônimo disse...

"A viver é cometer o pecado da gula"
-
Adoro. Ainda espero o livro,rs.
Paula Sardinha

Repórter de Sandálias disse...

"Temos que olhar pra dentro pra limpar os olhos."

Isso me lembrou Saramago, em Ensaio Sobre a Cegueira: "Se podes olhar, vê. Se podes ver, repara"...

;)

Anônimo disse...

Belíssimo texto. Motivador para vivermos sem amarras.
Te amo filho
Goretti