sexta-feira, 6 de agosto de 2010

Insônia.

 

    Tu és o zumbido de antes de dormir. E a bala que me acerta a cabeça quando eu recobro a consciência, às vezes assustado por descobrir estar sonhando contigo. Tua sombra é extensão da sombra dos móveis da sala e eu tomo cuidado pra não pisar em ti, cambaleando de cansaço enquanto caminho à cozinha procurando distrair os sentidos com sensações diferentes do aperto que tu me causa no peito nessas horas estranhas. Mas teu gosto tá na pasta de dentes e o teu cheiro no sabonete. E na coca-cola, no chocolate, na maçã, no biscoito, na batata frita, na Tv, debaixo dos lençóis. Tu ocupas os espaços vazios da casa e eu não tou mais sozinho em lugar nenhum. Te encontro quando fecho as palpebras tentando te perder, em vão. Te ouço em músicas que falam de fugas, de alegrias, de descrenças e de ódio. Te leio em crônicas sobre qualquer coisa. Agora todas as palavras, cantadas, faladas, escritas e pensadas te escondem por trás de significados que não tem nada a ver contigo. Tu significas todas elas porque meus pensamentos, minhas palavras, sempre dão um jeito de desaguar em ti. Eu penso em aulas, gente engraçada e cocô, e,  de repente, penso em ti.

      Contudo, tu és só um passatempo. Uma lembrança requentada. Lixo reciclado. Outra das minhas divagações complexas e inúteis que não me servem de nada. Tu és um ponto de vista pra as músicas do Smiths. Um caleidoscopio que eu montei pra admirar o que eu posso fazer. Uma pergunta que eu já respondi, mas escolho ignorar a resposta. Na verdade, nem embrulho no estômago eu sinto por causa de ti: eu só coloco o dedo na gargante e vomito essas coisas. Tu és só uma desculpa pra eu escrever textos repetidos. Meu novo faz-de-conta favorito. Uma desculpa pra eu dar valor a beijos idiotas. Uma causa poética. Uma mentira conveniente. Uma brincadeira autodestrutiva e divertida que eu posso abrir mão quando eu quiser. Um motivo besta pra assistir filmes delicados. No fundo, tu não tens mais importância que aqueles sonhos bons e estranhos que a gente tem quando dorme com fome e, quando acorda, lembra só de umas partes. Daí a gente inventa as lacunas e  uma continuação pra compensar a frustração de acordar aqui. E eu espero que assumir tudo isso assim, cinicamente, te silencie na minha cabeça e acabe com essa insônia filha-da-puta.

2 comentários:

Anônimo disse...

Por que escreve tão bem assim, heim, seu chato!
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Adoro seuz textos, Ti.
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táfê tafê táfê tá tá
rs, enfim até segunda no coro.
By Paula Sardinha

Anônimo disse...

Você é cruel, Charlie.
muito cruel.
tuas sílabas dilaceram minha carne.