quinta-feira, 19 de maio de 2011

O niilista.

 

      Paulo trabalhava na supervisão de uma companhia de comércio eletrônico. Na hora do almoço, ia ao refeitório da empresa e comia sempre com os mesmos colegas. Eram sete empregados e eles se davam bem. Paulo, entretanto, era visto com desconfiança por todos porque sempre assumia uma postura indiferente e não participava dos debates e discussões do grupo. Quando a conversa assumia um tom demasiadamente sério e eles desandavam a falar dos problemas do mundo, Paulo respirava fundo e emudecia. Não importava qual era o tema em questão: ele se prontificava a ficar em silêncio, ouvindo paciente, mas visivelmente desinteressado. Seus colegas se incomodavam com o fato dele falar pouco, mas ninguém nunca comentou nada diretamente com ele e as queixas se resumiam a umas observações em tom de brincadeira. Uns achavam que ele era muito tímido para defender seus argumentos ou se pronunciar a respeito. Mesmo quando a conversa era leve, Paulo falava pouco. Porém, a maioria acreditava mesmo é que ele era lento demais para formar opiniões consistentes e não expressá-las era uma forma discreta de esconder sua burrice.

      Lucas era o colega mais próximo de Paulo. Às vezes, quando os outros começavam a tocar em assuntos delicados e polêmicos, Lucas começava uma conversa paralela com ele a respeito de mulheres, música, futebol ou qualquer coisa mais leve. Paulo gostava dele porque era um dos únicos que não demonstrava impaciência com seu desinteresse. Mas odiava quando Lucas se metia no meio das discussões porque sempre defendia suas opiniões tentando desqualificar a todo custo a dos outros. Lucas achava Paulo um cara legal, apesar de um tanto estranho, e sempre teve curiosidade de saber a razão daquela antipatia programada. Naquele dia Lúcio, André, Mauro e Ricardo foram almoçar no restaurante italiano recém-inaugurado ao lado da firma. Convidaram os demais, mas nenhum deles se animou muito com a ideia porque não queriam gastar dinheiro podendo comer “de graça”. Paulo ficou lá com Lucas, Odair havia faltado porque estava doente. Comeram a carne assada tendo uma conversa agradável sobre comida estrangeira. Quando acabaram, ainda faltavam quinze minutos para começarem seus turnos. Então Lucas resolveu aproveitar o tempo para tentar esclarecer as coisas.

_ Paulo, espero que tu não fique chateado com o que eu vou te perguntar agora.

_ Haha. Porra, Lucas, se tu achasse que eu não tenho motivo pra ficar chateado, nem tinha começado com essa história de “espero que tu não fique chateado”...

_ Pô, Paulo, deixa pra lá, então.

_ Brincadeira, cara. Pode falar.

_ Bom... Tu já percebeu que o pessoal te enche o saco porque tu resolve ficar mudo às vezes, né?

_ Haha. É, resolvo ficar mudo, sim. Acho que eles têm um pouco de razão até.

_ Se tu acha que eles tem razão, por que tu não participa da conversa?

_ Eu participo das conversas, sim! Não participo quando vocês resolvem discutir geopolítica, macroeconomia, políticas públicas, crise mundial, essas coisas.

_ Mas por quê?

_ Porque eu acho inútil e não me divirto.

_ Hã?

_ É inútil, cara. Vocês ficam se desgastando à toa falando o que vocês pensam sobre o mundo, defendendo argumentos, tentando compreender o que acontece na sociedade. Mas isso não serve pra nada.

_ Como assim, Paulo?

_ De que adianta a gente ficar discutindo se o país A vai ou não bombardear o país B por causa disso ou daquilo ou quais os interesses do prefeito por trás da construção do viaduto ou se a economia vai entrar em um novo colapso ou não?

_ Tu quer ficar alienado, é?

_ Haha! Não é porque eu não falo que eu não sei. Só acho desnecessário falar. O que essas coisas mudam na nossa vida? Diz aí, Lucas? O país sendo bombardeado ou não, o viaduto saindo ou não, saber se a economia vai quebrar ou não... A gente não pode fazer nada a respeito dessas coisas. Aliás, até pode, mas dá muito trabalho e a gente já tem um.

_ Bom...

_ Eu sinceramente não entendo porque vocês gostam tanto dessas discussões. A opinião da gente não vale quase nada e vocês as levam a sério demais.

_ Tu tá me ofendendo já, Paulo!

_ Desculpa, Lucas. Tá vendo o que acontece quando eu finalmente resolvo manifestar minha opinião?

_ A gente é feito de opiniões, cara! A gente é o que a gente acredita. Se tu não te manifestas então tu és um nada, eu acho...

_ Mas que conversa doida é essa? Lucas, eu te dei liberdade pra me fazer uma pergunta meio indiscreta... Posso te fazer uma também?

_ Claro, sem problemas.

_ O que te faz pensar que eu vou me dar ao trabalho de ficar expondo o que eu penso pra ser julgado por gente que nem me interessa de verdade sabendo que isso não adianta de nada?

_ O quê?

_ A gente é colega de trabalho, só isso. Nunca fui à casa de ninguém, não tenho intimidade com nenhum de vocês, na verdade eu mal conheço vocês, o máximo que a gente faz é ir pra barzinho vez ou outra. Tenho um pouco mais de contato contigo, sim, mas a gente não é próximo o bastante e tu não me conhece direito pra eu poder te considerar meu amigo.

_ Quer dizer que não somos amigos? É tu que não deixa a gente te conhecer, Paulo!

_ Não mesmo e talvez não deixe vocês me conhecerem porque eu não acho que vale a pena. Tirando tu e o André, o resto é meio chato, viu.

_ Não acredito nisso...

_ É a vida. Tá vendo o que acontece quando eu resolvo dizer o que penso a respeito dela?

_ Paulo, tu tem medo da vida... tem medo dos outros.

_ Tu não entendeu NADA! Posso te fazer outra pergunta, e dessa vez tu pode mesmo ficar ofendido...

_ Depois de tudo isso? Duvido...

_ Tu é fã de Augusto Cury ou algo do tipo?

      Paulo ficou esperando a resposta com um sorriso sacana, um riso que debochava de si mesmo. Coisa de gente que vê bem mais do que gostaria.

Um comentário:

Repórter de Sandálias disse...

Augustu Cury... essa foi boa!! Ha, ha!

Olha, deves ter percebido pelos meus post que pesquiso sobre blogs, academicamente mesmo. Daí, qria te mandar uma entrevista sobre o teu blog para me responderes por e-mail... Seria possível? Me diz aí teu e-mail q eu t mando, por favor... A não ser q prefiras q eu t mande por aqui ou tu prefiras me mandar um e-mail (jessica.souza.jor@gmail.com). Valeu! :)