domingo, 12 de junho de 2011

Bartolomeu.

bartolomeu 

      O leão de pelúcia de João foi um presente de natal. Sua avó disse que ele era mágico e que ganhava vida quando ninguém estava olhando. Ela lhe contou que o leão não falava nada porque era muito tímido. João, que nunca ligou muito para bonecos, gostou imediatamente do bicho: primeiro porque ele era azul, sua cor favorita, e depois porque o menino também era muito introvertido, logo, achou que iria se dar bem com o novo companheiro. Batizou seu presente de Bartolomeu. Seu pai lhe contou uma vez que Bartolomeu era o nome de um homem que morreu faz tempo e foi o primeiro a andar de navio pelo fim da África. João viu na TV que os leões moram na África e achou Bartolomeu um nome engraçado para se por alguém, então seu Bartolomeu seria o único vivo em todo o mundo. 

     Passavam o dia juntos em aventuras épicas que envolviam bruxas, bandidos, ETs, baratas gigantes, fantasmas e tudo que metia medo em João. Bartolomeu dava coragem ao menino e lhe protegia quando as coisas ficavam perigosas demais. João tinha medo de dormir no escuro antes de conhecer o leão, mas passou a dormir tranquilo, pois sabia que o amigo ficava vigiando o quarto durante toda a noite. Às vezes o garoto ficava acordado até tarde, fingindo que dormia, para ver se Bartolomeu brincava sozinho ou ia ao banheiro. João preferia a companhia do amigo de pelúcia a de outras crianças da sua idade. Quando sua mãe lhe chamou atenção para isso, ele disse a ela que gostava mais do Bartolomeu porque ele não fazia confusão e era um bom guardador de segredos.

      O leão perdeu o olho esquerdo enquanto explorava as densas matas que ficam no fundo do jardim de inverno. Bartolomeu, guiado descuidadamente por João, seguiu o rastro até um formigueiro secreto quando foi atacado por uma flor espinhosa assassina. O menino correu choramingando e pediu à mãe para que transplantasse o olho do amigo de volta, mas ele sempre voltava a se desprender. Conformado com a tragédia, o garoto explicou a Bartolomeu que aquele era o seu destino e que era melhor aceita-lo e se acostumar com a ideia. João o consolou falando que havia gente com dois olhos sem que nenhum deles prestasse pra nada. Portanto, ele disse a Bartolomeu que não deveria ficar tão triste, já que ainda poderia ver as coisas com o olho que lhe restava.

      Um dia, João foi à praia com os pais e levou Bartolomeu junto para lhe mostrar onde fica a África. Durante a viagem, enquanto João segurava o bichinho pela janela, ele escorregou da mão do menino. Não era a primeira vez que fazia aquilo: na ida e na volta da escola, costumava segurar o leão do lado de fora do carro fingindo que ele era o Superman. João gritou e seu pai, assustado, freou forte quase provocando um acidente. Estacionaram no acostamento e acharam Bartolomeu espatifado no meio da pista, sem a cabeça e com as entranhas saindo do corpo. João chorou desesperado porque sentiu uma dor forte no peito. Passou algumas semanas dormindo com os pais, sem comer direito e mal falando nas aulas. As saudades faziam o menino sonhar com o leão correndo e, algumas vezes, até conversavam sobre a vida. João rezava para Deus cuidar do amigo e aproveitava para pedir um anjo da guarda. Ele havia voltado a sentir medo de dormir no escuro. 

       Já crescido, João mal se lembra da infância. Ele superou a perda de Bartolomeu alguns meses depois quando ganhou um videogame novo. Revive os fatos através das histórias dos pais, mas é como se fosse ouvisse uma vida que nunca lhe pertenceu. João aprendeu a lidar com as crianças que faziam confusão e parou de brincar sozinho. Esqueceu-se como era tímido e inseguro e dos segredos que morreram junto com seu melhor amigo. Recorda apenas que tinha um leão encardido de juba azul que caiu do carro. O leão morreu cedo, antes que João pudesse lhe matar. Ficou para trás com a inocência e a fé do garoto e foi substituído por brinquedos mais caros e pessoas mais independentes. O espírito de Bartolomeu vive, agora sim em silêncio, guardado dentro de João. Em sua memória, só a felicidade do menino para quem ele tentou ensinar como não ter medo do mundo mesmo sem poder enxergar as coisas direito.

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