sábado, 23 de julho de 2011

Reencontros e desencontros.

   

     Paloma caminhava feito um zumbi empurrando o carrinho pelos corredores. Eram três da manhã. Ela havia acordado uma hora, não conseguiu mais dormir e começou a sentir uma claustrofobia inexplicável. Estava estressada demais, havia tido um dia difícil no escritório e o que acabara de começar prometia ser pior. Colocou um vestido velho e decidiu ir ao supermercado 24h da esquina pra comprar cigarros e duas pizzas de calabresa. Ia andando sonolenta, passando pelas sessões desertas, arrastando suas havaianas enquanto sentia crescendo uma tranquilidade reconfortante. A luz branca uniforme refletia nas embalagens e Paloma estava tão à vontade que começou a usar o carrinho como um patinete. Imaginou que o céu poderia ser um supermercado com prateleiras infinitas cheias de produtos grátis. O que eu acho improvável porque deus deve ser comunista e, mesmo de graça, comer loucamente pode ser considerado consumismo e apego a coisas materiais. Mas, enfim, Paloma viu o Lucas, ficou sem reação, e bateu nos congelados.

      Lucas havia sacaneado Paloma há uns quatro anos. Namoraram por seis meses e antes de completarem sete, Lucas disse “não dá mais” e sumiu da vida dela. Paloma cobrou explicações, justificativas, mas ele insistia em ficar em silêncio repetindo variações de “não tem como a gente continuar”, mesmo sem nenhum problema aparente. Daí a raiva imensa que ela sentiu virou uma mistura de nojo e mágoa e manter distância dele se tornou a coisa mais lógica a se fazer. Depois de semanas tentando entender o que aconteceu, Paloma achou mais prático acreditar que Lucas não gostava muito dela e pronto. Fazia sentido, já que ele não teve consideração nem pra dizer o porquê de estar indo embora e não se importou com o seu sofrimento. Se bem que filha-da-putagem, às vezes, não é uma questão de caráter ou desafeto e sim de fazer uma escolha errada sem querer.

      Paloma, depois da batida, se abaixou e começou a engatinhar numa tentativa ridícula de se esconder de Lucas. Ela ficou repetindo “puta merda” mentalmente à medida que arrastava os joelhos no chão. Ele já havia a visto, sabia que estava tentando evita-lo, mas caminhou até ela do mesmo jeito. Lucas não estava raciocinando direito e também ficou assustado ao vê-la, avançou por instinto. Evidente que a situação era constrangedora pra ambos, se ele tivesse pensado por mais alguns segundos iria perceber o quanto era errado tentar falar com ela. Depois de quatro anos, as duas pessoas já tiveram tempo suficiente pra se desacostumarem uma da outra. Se não mantiveram contato durante todo esse tempo, não havia motivos pra se falarem numa circunstância daquelas. Paloma tinha certeza que Lucas teria bom senso suficiente pra desviar o caminho e fingir que não a viu, mas isso foi até ela esbarrar em suas pernas.

_ Oi.

_ Tava procurando meu brinco, caiu em algum lugar...

_ Eu sei que tu tava tentando te esconder.

_ Tá. Vou indo.

_ Espera aí.

_ Espera o quê, Lucas? A gente não tem nada pra conversar.

_ É claro que a gente tem.

_ Não, a gente tinha, agora não importa mais. Olha, tenho que acordar cedo, eu vou indo.

_ Eu gostava tanto de ti que fiquei com medo.

_ Ah, Lucas, faça-me um favor, né.

_ Não, de verdade, eu tava tão apaixonado, que fiquei assustado, tava me sentindo muito dependente, era intenso demais pra eu suportar e...

_ Lucas?

_ Que foi?

_ Vá tomar no cu, tá?

      Paloma deixou o Lucas com cara de idiota e foi embora. Seu coração estava acelerado e ela carregava um sorriso estranho que misturava nervosismo e satisfação. Preferiu ignorar o passado, por mágoa, orgulho e um leve desinteresse. Não há como saber o que aconteceria se ela tivesse feito uma escolha diferente. As decisões que tomamos têm resultados imprevisíveis, e é mais confortável acreditar que fizemos aquelas que nos poupou de mais transtornos. Como é impossível prever o que aconteceria se fossemos pelo caminho A e não pelo B, não faz sentido ficar remoendo consequências que nunca existirão. Então, Paloma foi dormir relembrando o prazer enorme que teve ao mandar Lucas tomar no cu. Mas se sentindo uma grandessíssima filha-da-puta por isso.

Um comentário:

Jefferson disse...

Uau!

Gostei muito. Eu fico remoendo algumas decisões que fiz e também as que não fiz. Não faz sentido, eu sei.

P.S.: Você lavou minha alma com a última fala da Paloma.

Como eu queria encontrar meu passado entre prateleiras de um supermercado vazio e mandá-lo...

Abraços!