sábado, 28 de janeiro de 2012

Um verdadeiro templo budista caseiro pós-moderno. (kkkkkk)

      O banheiro da minha casa é uma incoerência. Ele é excessivamente grande e espaçoso (talvez até do tamanho de um quarto) e minha humilde residência é relativamente pequena. A porra do banheiro é quase do tamanho da cozinha (!). Talvez seja porque ele é o único da casa e se sentiram na obrigação de fazê-lo maior do que deveriam. Não sei. Só sei que nem sempre foi do jeito que é. Paredes foram quebradas, a garagem mudou de lugar, o pátio nem existia, um quarto foi construído... Mas isso há tanto tempo que eu nem lembro. Se tudo permanecesse do jeito que estava, e eu tivesse um banheiro com as dimensões médias de um banheiro residencial brasileiro, acho que seria uma tragédia. Talvez nunca tivesse enxergado a real importância dos banheiros. Engrenagens fundamentais nos processos de transformações permanentes que sofremos todos nós.

      Sinceramente, acho que o banheiro é um cômodo injustamente subjugado e mal visto. Acredito que seja porque as pessoas deixam suas sujeiras nele e, por isso, preferem manter distância e impessoalidade. Hipócritas do jeito que somos, temos vergonhas de nossas próprias imundices. Eu sei que o quarto, historicamente, sempre foi o recanto maior do recolhimento, de privacidade e proteção. O espaço de exposição da identidade do seu proprietário e um lugar em que podemos nos refugiar. Mas, pra mim, lugar nenhum da casa supera o caráter simbólico do banheiro: um verdadeiro templo budista caseiro pós-moderno.

      Podem entrar no teu quarto sem bater na porta, mas não há como entrar num banheiro trancado. E se tu trancar a porta do quarto, vão logo desconfiar que estás fazendo o que tu, por convenção, não deveria. No banheiro, tu tem pretexto de sobra pra fazer qualquer coisa que, por convenção, tu não deveria. Basta fechar a porta pra entrar em uma realidade paralela em que o resto do mundo faz questão de não se intrometer. Arrombar um banheiro é uma violação ao corpo do seu ocupante. Recipiente de partes que estavam em nós, quando fechamos a porta, nos fundimos ao banheiro e ele vira nossa extensão. Um assaltante decente que invade uma casa respeita um banheiro fechado. Ele bate na porta e fala: “Lava as mão e sai”.

      No banheiro entramos em contato com o que temos de mais íntimo. A solidão é amplificada pelos pensamentos que ecoam com o barulho do chuveiro. A água remexe nossos sentidos e traz à tona fantasias ocultas, lembranças embaçadas, teorias metafísicas, lágrimas frustradas que perdem a vergonha na cara e escorrem camufladas. Somos superstars, super-heróis, atores dramáticos, encenamos diálogos pós-fabricados, discursos apaixonados, o sonho que será esquecido na próxima manhã... Usar a privada é um convite a reinar na glória de um mundo com jeito de realismo fantástico. Estando nossa merda exposta, não sobra espaço pra ter pudor que impeça nada.

     Arquimedes fez a maior descoberta de sua vida dentro de uma banheira. Arthur Dent começou a maior epopeia que eu conheço enquanto fazia a barba. Picasso pintou um fauno dentro do banheiro de um castelo, sabia que ali era lugar mágico. Janet Leigh só entrou pra história porque foi assassinada enquanto tomava banho. Banheiros são tão especiais que, até meados do século XIX, eles eram cômodos de luxo e raridades na maioria das casas dos países ocidentais. Uma casa sem banheiro não é um lar. É preciso ao menos um puxadinho com um buraco no chão. Quatro paredes de pé no meio do nada com uma porta que se tranque, que seja. Um espacinho que nos convide a uma volta ao passado, à necessidade de pôr pra fora diariamente o que temos de mais primitivo e animal e, por isso, de mais lúdico e infantil. Um regresso à idade em que se sujar não era vergonha e o mundo não tinha limites.

 

ah, só pra lembrar aos ~~gatos pingados~~ que tiverem a infelicidade de vir aqui que eu ainda to soltando pílulas diárias de merdas inclassificáveis no Égua, Doido. (Sério, pra mim nunca fez sentido essa expressão. Um gato pingado é tipo pingado de ter tomado pinga? Por que um gato beberia pinga? E, mais, por que um gato álcoolatra se juntaria com outros gatos bêbados pra ir a lugares pouco frequentados? Seriam gatos percusores dos hipsters? Enfim, tantas possibilidades…)

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