sábado, 17 de janeiro de 2009

Capítulo 1 - Parte 4 - Izabel

- Meu coração é um cubo mágico sem solução.
- Se é mágico, tem solução pra tudo.
- Não, se é mágico, ele sabe enganar bem.









- Não gosto de cobranças. Há motivos pra eu não querer estar contigo ou preferir estar com outros ao invés de ti, e nenhum deles é suficiente pra justificar qualquer desafeto. Pelo contrário, cara, eu te amo.

Eu escutava atônico enquanto ela mexia a boca, era como se tivesse subitamente aprendido japonês, estava querendo se exibir. Questões óbvias que contrariam a lógica de toda situação começavam me obrigar a fazer perguntas, tão idiotas, que eu me recusei a dirigi-las à Izabel. Ao invés disso, continuei olhando sua boca que agora tinha um sorrisinho sarcástico. Sinceramente, eu esperava que ela se apiedasse da minha queda e, mesmo que por caridade, voltasse a segurar minha mão para voarmos juntos e felizes. Eu sabia bem com quem e com o quê eu estava lidando, eu só me esqueci da preparação para isso.

- Tu entendes? Enjoa. Fica chato, óbvio. Preciso de surpresas, tu também. A gente já se descobriu e...

- Porra! Pára!

Parar... Eu sempre fui de adiar as coisas: a verdade ficando mais pesada, ganhando a carga do tempo, dói mais assim. Mas eu sei que se sentisse isso, que experimento agora, no início, eu não teria tido coragem para ir tão longe. Às vezes a gente precisa dar algo em troca para poder continuar tendo certas coisas, eu ofereci a mim mesmo auto-enganação para ficar com a Izabel. Agora ela vem assim, cínica e insensível, querendo tirar o que eu me dei com tanto esforço.

- Parar com o quê!? Tu me conheces, merda, não te faz de besta. Sabes que mediocridade não é comigo! E não falo isso pra te menosprezar não.

- Caralho! Acabas de dizer que ficar comigo é sinônimo de mediocridade! Ainda tem a cara-de-pau de dizer que não estás me menosprezando!?

Essa é a parte em que eu adquiro um comportamento agressivo e incoerente, assumindo uma postura infantil para me iludir mais alguns segundos ao invés de aceitar que não tenho capacidade para ter ela. É mais ou menos o que acontece quando algum parente próximo morre subitamente e lançamos pragas e protestos culpando deus quando já não há nada para fazer, já que ele não traz ninguém de volta. A diferença é que a Izabel é mais palpável e consegue ser mais cruel que deus.

- Pra quê isso tudo? Estás te fazendo de burro por quê? Acho que o mais que podemos ter é sempre melhor e mais significativo do que já temos, por muito que seja... Porra, é uma questão tão lógica e simples. Qual a dificuldade pra tu entenderes isso, Edu?

- Tu estás me anulando. Esse é o problema.

- Eu te amo, seu idiota.

- E isso não te basta?

- Claro que não! Amor, só esse amor, não é tudo. Não dá pra resumir todas as possibilidades que a vida oferece em uma só pessoa. Eu já te disse isso três vezes.

- Não posso aceitar isso.

- Não é questão de aceitar. É assim, eu sou assim e acho que todos nós somos assim... Não queres enxergar... Merda, tu nem fazes questão de me entender! Tudo isso por quê!? Por imaturidade, puritanismo e hipocrisia... Acabou, Edu.

Foi assim. Entre ‘’caralhos’’, ‘’porras’’, “merdas” e fodas extraconjugais. Ela acabou comigo. Eu fiquei estático contemplando aquele poço de arrogância e prepotência espalhando roupas pelo chão e socando nas malas. Aí ela quebrou o porta-retrato, rasgou a foto que tiramos na montanha-russa e me mandou ir embora.

Por algum motivo eu sorria. Então fico aqui, sentado nessa pseudo-cama de colchão escroto, para tentar me compreender e... Lembrar.

Lembrei... Lembrei que me encantei com o jeito expansivo, a postura subversiva e contestadora que faz eu me sentir na época da ditadura: uma advoga assumidamente vendida que condena as leis que aplica, eu me divirto com ela. Tem também as teorias mirabolantes, as indagações existencialistas, as filosofias de amor platônico, a crença em ideais utópicos, as auto-ironias e como ela acha tudo isso meio ridículo... Ela é complexa e anormal, e foi justamente isso que me atraiu. Lembro e rio.

Agora vou passar a noite e o dia seguinte mergulhado em recordações e, talvez, com um arrependimento absurdo. Capaz de eu perder o emprego, Izabel consome tempo. Foda-se.

A desgraçada acabou comigo e eu sorrio apaixonado.

5 comentários:

Anônimo disse...

Eu adoro a lucidez e a sinceridade consigo mesmo do Edu.
Fico me perguntando se também por isso Izabel surte sempre e tanto. Apesar que vejo Izabel vivendo e acreditando numa realidade tão dela, tão alheia ao resto do mundo, que talvez o surtar sempre e tanto seja o equilíbrio dela.

Nossa, acho que não sei de mais nada. Tantas possibilidades não excludentes que o gostoso do seu texto é lê-lo em diferentes ângulos!

Um beijo,
Mari

André disse...

Ah, essa Izabel que não suporta mediocridade e que mora no coração da gente. Tenho muito dela em mim, e isso dói.

Anônimo disse...

O texto é interessante. Escrever sempre faz bem, Mário Quintana disse. Todos deviam escrever. Um poeta disse, não me recordo bem (como disse Borges, "quem se recorda de algo"), é "normal, saudável"... Sim, sempre é normal. Mas saudável, muitas vezes, não.

Felipe Garcia de Medeiros

delianne lima disse...

Exatamente. Tenho muito de Izabel em mim. E já me relacionei com muitos assim.

Que pena que comecei a ler pela parte 4. Mas como tenho essa mania repentina de ler o final antes do começo, vou até a primeira parte sem remorsos.

Beijo, Dom Tiago.

Jaya Magalhães disse...

Obsessão. O mundo vira deserto, e Izabel se faz miragem onde quer que os olhos de Eduardo pousem.

Ele sorri, assim.

Paixão é coisa séria.

E amor não tem tempo verbal. Então, essa história continua.

[Vai escrever, Tiago!]

Beijo.