sábado, 23 de fevereiro de 2008

Nada em lugar nenhum.

Era noite, madrugada. Estava escuro.
As folhas balançavam-se calmamente em seus galhos, havia muitos galhos. O vento soprava despretensioso, tinha todo tempo do mundo para soprar, o tempo era sua exclusividade. A rua estava deserta, experimentava a liberdade. Nela, não havia vestígios de vida humana, como se ela nunca tivesse existido. Mas a rua não estava morta, havia árvores de ambos os lados. E elas pareciam espantadas, curiosas, talvez sentissem inveja. Ele andava.
Só, andava. Não sabia para onde, não se lembrava. Sentiu-se tonto, perdido. Queria saber onde estava, e principalmente, porquê estava. Já andará na direção oposta, deparou-se com um beco sem saída. Entendeu que a rua só tinha um sentido. Seguiu em frente.
A rua não mudava. Ele estava se cansando de andar.
Ofegante, sentiu a fadiga tomar conta de seu corpo, os músculos das suas pernas tremiam. Estava quase desabando quando avistou no vão entre duas árvores um banco. Havia um vulto sentado, provavelmente alguém que também se cansou de andar. Ele se aproximou com dificuldade e deixou-se cair no espaço vago ao lado do desconhecido. Respirou pausadamente, sentiu seus músculos dilatarem, todo seu corpo adormeceu. Por um momento esqueceu-se da pessoa ao seu lado, não era importante. Só depois de uns minutos, quando finalmente voltou ao seu corpo, olhou para o lado. E sob a luz delicada e branda da lua viu-se.
Ficou sem pensar por uns segundos, virou árvore.
Depois, num misto de espanto e perplexidade, perguntou com a voz embargada:
_Quem és tu?
Escutou um sorriso, e pelo tom percebeu que era sarcástico. Então sua imagem retrucou:
_Não me decepciona. Esperava bem mais de ti. Sabe quem eu sou, por que fez a pergunta se conhece a resposta?
Ele ficou assombrado, sentiu-se ofendido e desafiado por ele mesmo. Com voz baixa, quase inaudível, revelou o que pensava:
_Isso não faz sentido...
O vulto rio. Divertiu-se, e num tom de deboche, perguntou:
_O que faz sentido pra ti?
A pergunta ceifou seus pensamentos, então percebeu que não havia lógica, sentiu-se vazio.
Um breve silêncio instalou-se entre Ele e Ele, mas poucas coisas são tão frágeis quanto o silêncio.
_Onde pretendes chegar?
_Em lugar nenhum.
_Estavas andando, logo pretendia chegar a algum lugar. E ‘nenhum’ não existe, sabes disso.
_ Não sei de nada.
_’Nada’ também não existe, e também sabes disso.
Ele sorriu.
_Não lembro o que aconteceu, quando percebi estava no meio da rua. Andei na direção oposta e cheguei a um beco sem saída, agora estou voltando, a rua só tem um sentido.
Um silêncio maior que o outro se formara, bem mais denso e sufocante, o ar ficou pesado. As árvores riram.
_Não, a rua não tem nenhum sentido.
_Nenhum não existe.
_Na direção que estás indo também tem um beco sem saída.
_... O que faremos então...
_Nada... Estava indo na direção oposta.
_Nada é muito.
_Não temos muito que fazer além de andar de uma ponta a outra da rua, não podemos fugir disso, nossas vidas se resumirão em bater nos muros.
_Talvez eles quebrem.
_Nos quebraremos primeiro.
Ele riu outra vez, riu muito. Não havia pensado naquilo.
_Ora, então vamos. A rua, como nós, é só um ponto de vista.

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